quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A Maçonaria é uma Religião?

Carlos Alberto Carvalho Pires
cacpires@gmail.com

A Maçonaria é uma religião? Esta é uma das perguntas mais comuns e inquietantes que se apresentam quando pensamos o fenômeno maçônico no contexto da religiosidade humana. Muitos respondem que não, alegando desde resoluções regulamentares a conceitos esotéricos ancestrais para justificar este posicionamento. Outros acham que “a Maçonaria é uma religião no sentido estrito, pois busca a harmonização da criatura com o criador” (CAMINO, 2006).
Em face desta situação de aparente conflito, e como somos legítimos especuladores da verdade, percebemos que esta questão merece uma atenção diferenciada. A complexidade aqui presente envolve, essencialmente, alguns dos principais valores da Arte Real e nos convida a refletir sobre todos os elementos que interagem neste processo. Este é o objetivo deste breve exercício reflexivo, traçado na peça de arquitetura que se segue. Em suma, estaremos tateando sutilmente o fascinante mundo das relações alquímicas existentes entre a Maçonaria e a fé.

1-A MAÇONARIA

Desde os ritos primordiais na África paleolítica e muito antes das celebrações dionisíacas da Grécia pré-socrática, quando não havia templos nem obras imponentes para que fossem elaboradas as inquietações mais inebriantes de nossas almas, aprendemos que nossas mentes criativas podem nos levar para muito além do que chamamos cartesianamente de universo lógico. Essas jornadas simbólicas se manifestavam no simples fato de desenhar no solo um círculo ou um pavimento mosaico rudimentar, de acender uma fogueira com a fumaça funcionando como incenso primitivo ou de colocar todos em volta formando um círculo. Dessas pulsões elementares surgiram todas as tradições esotéricas, com nossa Sublime Ordem.
Definir o que é a Maçonaria, no sentido ontológico ou epistemológico, é indubitavelmente um complexo exercício criativo. Todos que se atém a esta intrigante questão são capazes de manifestar diversas interpretações para explicar este fenômeno social, psicológico e metafísico surgido em tempos imemoriais.
Assim como os incontáveis mistérios que pavimentam o universo de símbolos e arquétipos mais elementares, a busca pela verdade sobre “o que é” nossa Ordem – como perguntaria Parmênides (530 a 470 a.C.) – escrutina na prancheta do entendimento humano linhas tortuosas que podem confundir as mentes mais argutas.
Em nossos documentos históricos e regulamentares, elaborados pelos grandes sábios do passado, existem explicações consistentes sobre o conceito de Maçonaria. Mas, isto pode não bastar. Os pensadores mais reflexivos, possuidores de mentes inquietas, sabem que há algo mais. Este teor que vai além do universo tangível é totalmente inacessível a toda forma de especulação e por isso mesmo fascina e assombra nossas almas desde os primórdios. Trata-se da própria espiritualidade humana manifestada por simbolismos complexamente elaborados.
Buscamos um sentido para nossa Fraternidade de várias maneiras, seja nas metáforas pré-históricas contidas nos rituais estilizados perpetuados nas pinturas rupestres, seja nas tradições da tragédia, do teatro e da filosófica grega clássica, ou nas manifestações de fé nos templos incipientes do crescente fértil. Esta jornada de procura do real conhecimento opera desde o inicio dos tempos e nunca se extinguirá, mesmo depois que desapareça o último homem, ou após o advento do além-do-homem, como diria Nietzsche (1844 a 1900).

2-O CONCEITO DE RELIGIÃO

Religião é um termo derivado do latim religio, que significa na tradição antiga algo como manifestar um comportamento rígido, formal e pautado pela precisão. Assim era o seu sentido no mundo pré-cristão, notadamente na Grécia e em Roma.
Em 45 d.C., na obra De Natura Deorum, Marco Túlio Cícero (106 a 43 a.C.) considerava o termo religião uma alusão ao ato de reler ou estudar de novo alguma coisa. Explicava, então, que os religiosos eram aqueles que pretendiam uma releitura das escrituras e dos ensinamentos primordiais que trariam luz sobre os fenômenos inexplicáveis.
Agostinho de Hipona (354 a 430 d.C.), ainda no século IV d.C. dizia que a religião seria a vontade de todos de reeleger a Divindade como centro do universo, uma vez que a humanidade se desligou de Deus. No livro A Cidade de Deus considera a palavra religere como sendo a raiz etimológica de religião.
Nos anos 400 d.C. Flavius Macrobius Ambrosius Theodosius, nascido no ano 370, afirmava que religio seria uma forma de se cultuar as relíquias do passado, ou relinquere.
No Hinduísmo não se utiliza o termo religião. Seus sacerdotes, na Antigüidade, usavam a palavra rita. Depois passaram a expressar a idéia de lei divina e perene como Dharma, denominação também comum no Budismo, criado em 500 a.C.
Acredita-se, atualmente, que o vocábulo deriva de duas origens distintas. Relegere se refere à idéia de reler ou revisar os conceitos, tradições, ritos, e princípios antigos adaptando-os às novas eras e necessidades. E Religare seria a vontade de religar algo ou alguém a outros, ou de reunir as pessoas à Divindade.
A partir da hegemonia tradição Judaico-Cristã no Ocidente, religião passou a ser considerada como o conjunto de crenças, rituais, princípios e práticas diversas que buscam exatamente o contato da humanidade com a Divindade. Esta interação seria possível através da chamada revelação, que todos os adeptos consideram como uma realidade concreta.

3-RELIGIÃO E PSICOLOGIA

Adentrando a esfera dos estudos da psique humana, chegamos a uma ponderação mais além. Religião seria uma das maneiras de se explicar todos os mistérios que cercam nossa existência, ou seja, aquilo que a nós é racionalmente incompreensível, de uma forma que possa fazer algum sentido. Esta bagagem inquietante, que foge à compreensão lógica da mente humana, pertence ao campo do Sublime.
Para explicar esta zona de incertezas foram criados os sistemas religiosos primordiais, que utilizam uma variada gama de conceitos dogmáticos baseados na fé. Tais mecanismos impõem uma normatização destes eventos, regrando todos os fenômenos de acordo com as ditas “verdades reveladas”. Estabelecem, assim, a dominação espiritual nesta área inacessível e satisfazem parte de nossa mais profunda angústia, relacionada a necessidade de explicar todos os grandes enigmas.


4-RELIGIÃO E IGREJA

Os conceitos de religião e igreja não são sinônimos.
Religião é uma idéia relativamente nova, criada pelos teóricos do Iluminismo para categorizar uma série de práticas e tradições de fé. Em termos filosóficos, este termo é uma abstração que habita o campo do intangível, o chamado mundo das idéias. Assim, para ser exercido com positividade na sociedade, indo além do exercício pessoal de fé, deve ter um arcabouço que possibilite sua aplicabilidade concreta. Deste modo surge a necessidade da materialização do conjunto ideológico que estrutura uma corrente religiosa, e esta é a definição contemporânea de igreja.
A palavra igreja vem do grego ekklesia, que significa assembléia, reunião ou associação de pessoas. Pode ser chamada, por extensão, de “comunidade dos escolhidos”. Na pré-história e na Antiguidade representava todas as agremiações que preconizavam formas de transcendência rumo a um plano infinito ou eterno. Com o advento do vocábulo religião, igreja passou a representa os objetos materiais, como prédios, mobiliários, paramentos e a hierarquia administrativa criada para a operacionalidade das normas religiosas.
As chamadas grandes religiões, estruturadas através das igrejas, foram se expandindo ao longo dos séculos de maneira gradual e consistente. No início a dificuldade de expansão era significativa. Poucos tinham a oportunidade de conhecer formas alternativas de religião. Heródoto de Helicarnasso(485 a 420 a.C.), poderoso historiador grego, foi uma exceção. Descreveu em seu livro Viagens as práticas religiosas dos diversos povos que encontrou em suas peregrinações pelo mundo. Buscava relacionar os deuses que encontrava com os existentes no panteão grego. Xenofonte de Hérquia (430 a 355 a.C.) dizia que cada povo cria sua tradição religiosa de acordo com sua cultura, e que seria raro o ecumenismo.

5-A FÉ CONTEMPORÂNEA

A partir do início do século XX a expansão religiosa foi exponencial. A facilidade de comunicação e de transporte entre todas as comunidades favoreceu o contato de todos às diversas correntes de pensamento. Isto representou uma vantagem em termos de crescimento, mas significou também um risco permanente de evasão dos fiéis. O ecumenismo e o sincretismo religiosos tornaram-se fenômenos rotineiros, e as chamadas “religiões pessoais” ganharam força dentre as opções de fé praticadas pelos cidadãos em geral.
Atualmente existe uma marcante diversidade filosófica e de crenças por todo mundo, gerando uma permanente concorrência e interação entre todas as instituições religiosas. Podemos dividir a distribuição das religiões de acordo com critérios geopolíticos. Assim, temos as do Oriente Médio (Judaísmo, Cristianismo, Islã, Zoroastrismo e Bahal), do Extremo Oriente (Confucionismo, Taoísmo, Budismo, Mahayama e Xintoísmo), da Índia (Hinduísmo, Jainismo, Budismo e Sick), da África, da Oceania, da América pré-colombiana e da Antigüidade clássica Greco-Romana. As três grandes religiões monoteístas somadas possuem mais de um terço da humanidade sob seus domínios (dois bilhões de cristãos, 1,3 bilhões de islâmicos e 15 milhões de judeus). Interessante observar que cerca de um bilhão de pessoas se declaram sem religião. Neste grupo incluem-se os agnósticos e ateus.




6-O SAGRADO

Ao realizarmos uma reflexão filosófica sobre nossa percepção da realidade fica claro que podemos nos situar em duas realidades paralelas. Existe o mundo tangível ou real, marcado pelas ações rotineiras e pelas atribulações da vida pessoal transcorrida em sociedade. Ali todos caminham de maneira uniforme e inexorável rumo ao seu destino final, após experimentarem uma breve jornada controlada pelo que chamamos de “tempo”. Neste caso nos referimos ao chamado tempo homogêneo, mais conhecido como profano e que é marcado pela submissão inexorável às forças da natureza. O tempo aqui seja astronômico, biológico ou físico, não para. Sentimos seus efeitos em nós mesmos e em muitas entidades que nos cercam – como em troncos de madeira que se deterioram, à semelhança da decaída de nosso vigor físico e mental com o avançar da idade.
Apesar de não compreendermos absolutamente nada sobre esta poderosa energia temporal que atravessa nossos corpos e interage com tudo, sabemos perfeitamente como se apresentam seus efeitos. Disso surge um terrível desejo de controlá-la, adequando-a a calendários ou relógios que no máximo nos mostram com mais clareza como sua passagem segue inabalável.
Exatamente desta necessidade de dominarmos estas forças profanas foi criada pela mente de grandes pensadores do passado uma segunda realidade ou um novo universo, distinto e apartado do profano. Neste plano, o tempo, agora tido como heterogêneo, não passa. Tudo ali tem existência plena e perenidade absoluta, tal qual uma pedra bruta ou polida – que aparentemente não sofre a ação da passagem das eras. Nada se transforma e muito menos sofre processos degenerativos ou escatológicos.
Este tempo separado do comum é denominado Sanctum, Sacrum ou Kadosh - nas três principais línguas da tradição esotérica – ou simplesmente sagrado, e se manifesta em locais muito especiais, chamados de espaços consagrados. Nestes sítios as diversas vertentes da espiritualidade humana desenvolvem seus rituais e sua liturgia e repassam a sabedoria mais antiga aos novos iniciados.
Tanto nos templos erigidos às tradições iniciáticas mais elementares quanto naqueles voltados aos trabalhos de fé, o que opera a plena força e vigor é o tempo sagrado, onde a espiritualidade reina soberana.

7-CONCLUSÃO

Toda forma de transcendência espiritualizada se refere a conceitos universais, presentes em todas as eras e em todos os povos. Referem-se a um estado de espírito, e fornecem uma postura reflexiva sobre tudo que existe.
Se pensarmos em religião como representações das estruturas tangíveis criadas em tempos mais recentes para os trabalhos de fé, certamente poucos elementos podem ser considerados comuns em relação à essência das ordens iniciáticas.
Mas, se considerarmos que todas as religiões são derivadas de um tronco ancestral único, sob o ponto de vista dos conceitos elementares, e que deste eixo simbólico também aflorou nossa Sublime Ordem, nossa resposta pode ser diametralmente outra. Religião e Maçonaria seriam mais que idéias similares.
De qualquer modo, responder simplesmente sim ou não a pergunta-título deste trabalho reduz sobremaneira o universo de sentidos relacionado a toda esta questão. O que realmente importa é garantirmos que as práticas religiosas ou ritualísticas, que fortalecem nossas almas na inexorável jornada pelos labirintos da existência, continuem sendo respeitadas e tenham sua magia preservada até o fim dos dias.

REFERêNCIAS:

CAMINO, Rizzardo da, “Dicionário Maçônico”, Editora Madras, 2006;

CAMPBELL, J. “Mitologias Primitivas”, 7ª Edição, Editora Palas Athena, 2005;

GLESP, “Ritual do Simbolismo do Aprendiz Maçom” Editora Glesp, 2003;

JUNG, C.G. “Psicologia e Alquimia”, 2ª Edição, Editora Vozes , 1994;

ELIADE, Mircea, “O Sagrado e o Profano”, 1ª Edição, Editora Martins Fontes, 1992;

PIRES, Carlos A C, “Origens – Em Busca do Primeiro Maçom” Revista Maçônica “A Verdade”, Editora Glesp, Edição 461, Julho Agosto 2007;

Internet: www.maconariabrasil.wordpress.com, acessado em 20/02/2010.

Carlos Alberto Carvalho Pires
cacpires@gmail.com

sábado, 5 de setembro de 2009

Platão e a Maçonaria

PLATÃO E A MAÇONARIA (REFLEXÕES FILOSÓFICAS)
por Carlos Alberto Carvalho Pires
cacpires@gmail.com

Existe uma possível integração alquímica entre a doutrina platônica, que floresceu por volta do século V a.C. e a tradição simbólica maçônica? Para responder a esta intrigante pergunta é preciso abstrair nossas mentes levando-as até a Antigüidade Clássica, na aurora do pensamento filosófico. Assim será possível refletir se, naquele ambiente altamente intelectualizado, as bases de nossa sagrada Ordem teriam eclodido com força e vigor, ao lado da emergente Filosofia. Dessa sacralização teria surgido uma relação de interdependência ontológica entre estas duas escolas, que Platão interpretaria de forma justa em suas obras que atravessam as eras como pilares elementares da estrutura simbólica do universo. Nessa perspectiva inquietante, convidaremos o eminente mestre helênico ao centro de nosso templo. Ali, tal qual nas ágoras de Atenas, ouviremos a exposição de algumas de suas idéias. Ao final vamos deliberar se realmente a Luz Maçônica brilhava com força e vigor em sua mente, contribuindo para a fusão deste amálgama simbólico que tão bem iria sedimentar nossas Colunas e o pensamento humano.
INTRODUÇÃO

Em 427 a.C., na Grécia antiga, nascia um inquieto pensador chamado Aristócles. Mais conhecido como Platão, devido a seu vasto conhecimento (ou a sua imensa fronte cefálica), foi discípulo de Crátilo, da escola de Heráclito, e de Sócrates. Falecido em 347 a.C. é considerado um dos grandes responsáveis pelo surgimento da Filosofia. Estabeleceu uma vasta doutrina que se divide em trinta e seis trabalhos, agrupados em nove volumes. Esta robusta obra, chamada de teoria platônica, passou a ser ensinada na pólis de maneira sistemática e eficaz a partir de 380 a.C., com a fundação da famosa Academia - que visava aperfeiçoar os cidadãos nas diversas artes, para que bem conduzissem os destinos de Atenas.
O que nos chama a atenção, enquanto praticantes da Arte Real, é que grande parte de nossa tradição pode ser interpretada e compreendida à luz dos ensinamentos mais elementares desenvolvidos por este profeta em seu poderoso templo erigido próximo ao bosque em homenagem ao herói grego Academos. Alguns inquestionáveis pontos de intersecção doutrinária entre o nosso Simbolismo e a filosofia matter da Humanidade eclodem com força e vigor à medida que aprofundamos nossa visão sobre estas concepções. Em meio às meditações transcendentais dos mestres do Peloponeso as primeiras pedras das Colunas de Hiram já estariam sendo lapidadas? Vejamos cinco pensamentos que gravitam em torno destas

1-PLATÃO E A ESCADA DE JACÓ

Platão ensina que existem duas formas de se interpretar a realidade: uma pelos nossos sentidos (o mundo dos sentidos) e outra pela nossa intelectualidade (o mundo das idéias). As pessoas comuns viveriam em uma realidade ilusória, uma vez que tem uma noção precária do universo, pois o apreendem apenas através dos cinco sentidos, que são susceptíveis a erros e falhas na interpretação dos fenômenos. Este nível, que utiliza apenas estes instrumentos de nosso corpo, seria o patamar mais primário, elementar e acessível de captação do cosmos. Somente possibilita a formulação de opiniões (a “doxa”) acerca do “ser”, baseadas ou criadas pela imaginação humana (a “eikasia”) estimulada a partir dos vetores sensoriais ou por suas crenças (a “pistis”). Neste caos de sentidos e significados, tudo é passageiro, tudo muda, ou como dizia Heráclito (540 a 470 a.C.), “tudo flui”.
A essência das coisas, porém, estaria além da capacidade física dos nossos órgãos. Começaria a ser captada só a partir do segundo nível do saber, nomeado por Platão como “dianóia” ou “noesis”, que incorpora métodos discursivos e dedutivos no processo de entendimento. Estamos em um patamar intermediário, quase adentrando ao universo das idéias elementares. Aqui, os modelos basilares de estruturação das concepções são as figuras matemáticas puras, que existem apenas na dedução intelectual das formas idias – um quadrado perfeito, por exemplo, jamais é visto na natureza.
Acima deste nível intermediário, situado entre o olhar pelos sentidos e a visão abstrata da mente, resplandece o degrau máximo de conhecimento, a “episteme”. Atingindo este nível, dominamos o “mundo das idéias”, que surge e só é apreensível em função da inteligência. Sua dinâmica ou fisiologia independe das conjecturas do tempo, uma vez que se cristaliza pela dimensão do eterno, daquilo que “é” – como afirmaria o digno representante da tradição pré-socrática, Parmênides (530 a 470 a.C.).
A trajetória evolutiva dos filósofos, buscando ultrapassar o mundo sensível e conquistando, assim, o universo das idéias, se apresenta claramente em nossas Lojas, quando regularmente constituídas. Em todas nossas Sessões Ritualísticas representamos exatamente esta jornada rumo ao aperfeiçoamento humano, onde as verdades mais puras e inequívocas se estabelecem. Saindo do mundo profano (o pavimento mosaico) vamos escalando degrau a degrau os níveis do conhecimento, que cintila exatamente no mundo das idéias. O processo de asceze intelectual, tão bem descrito por Platão, foi traduzido pelos Mestres-Maçons como a metáfora da jornada pelos degraus da escada de Jacó, que se apruma simbolicamente entre as Luzes Emblemáticas e orienta nossos trabalhos.

2-O MITO DA CAVERNA E A INICIAÇÃO

Platão, no capítulo VII de sua obra “A República”, nos apresenta uma alegoria sobre a condição existencial humana que se constitui na mais famosa e conhecida construção mitológica da Filosofia, chamada de parábola ou mito da Caverna. Propõe o mestre que imaginemos uma imensa caverna na qual homens permanecem acorrentados pelos pés, mãos e pescoços, de costas para a entrada e de frente a uma grande parede – o fundo da gruta. Ali eles nasceriam, viveriam e morreriam, por sucessivas gerações. Tudo que enxergavam era a grande murada a frente, similar a uma tela ou pano de fundo de um palco. Lá fora, um pouco além da embocadura, haveria uma monumental fogueira, gerando muita luz que iluminava continuamente as pessoas e os objetos do mundo externo, interpostos entre o fogo escaldante e a caverna. Nesta condição, sombras destes entes seriam projetadas para o interior, chegando até a parede. Os sons emitidos pelas falas e demais eventos também seriam enviados e refletiriam como ecos, pelas pedras. Assim, qual seria a percepção da realidade captada pelos homens acorrentados? Afirma Platão que eles enxergariam apenas um eterno desfile de imagens virtuais e ecos que não se constituiriam na realidade das coisas - seriam apenas projeções, artefatos ou simulacros da verdade. Eles estariam nas trevas, no caos e no terror da ignorância e da obtusidade da mente humana que ainda não teria assimilado a capacidade de ver além das aparências.
De repente, porém, ocorre um fato insólito. Uma pessoa que permanecia ali, inerte, toma uma atitude. Dotada de uma capacidade moral e intelectual diferenciadas, sente uma inefável necessidade de ir além. Cria instrumentos para romper os grilhões e assim se liberta, girando vagarosamente sua cabeça em direção à fonte das imagens projetadas, onde está o fogo, depois se levantando e caminhando serenamente rumo à saída da caverna. Ali recebe a Luz esplendorosa do Sol, e adquire a Sabedoria, tendo contato pela primeira vez com a verdade. Este processo é doloroso, pois seus membros e músculos nunca haviam sido exigidos, assim como seus olhos, que se irritam e lacrimejam com a forte luminosidade natural. Os raios solares do Meio-Dia chegam a queimar sua pele sensível, deixando uma marca inequívoca de que o homem, agora, está transformado. Jamais será o mesmo, pois trilhou um caminho sem volta.
Passado algum tempo, nosso bravo companheiro resolve retornar à caverna, para encontrar seus antigos parceiros de cárcere. Ali chegando, porém, fica claro que a metamorfose em sua alma foi além do que sua vã filosofia podia supor. Ele não consegue mais se comunicar adequadamente com os outros, pois sua linguagem está inacessível à capacidade de interpretação dos que permaneceram nas sombras. Suas experiências no mundo real soam como mentiras, e geram estresse e descontentamento aos presos, que passam a maltratá-lo. Nosso herói conclui que deve permanecer calado, no mais profundo silêncio sobre tudo que se passou lá em cima, quando estiver visitando os ambientes de penumbra.



3-A GEOMETRIA PLATÔNICA

Platão afirma que para acessarmos os dois degraus iniciais da escala rumo ao conhecimento supremo, dependemos apenas de nossos cinco sentidos, como vimos anteriormente. Portanto, o “mundo das crenças e das opiniões” está à disposição de qualquer pessoa, mesmo aquela que ainda permanece acorrentada no fundo da caverna. Mas, para começarmos a traduzir os ideogramas primários do “mundo das idéias”, perseverando na disposição de compreender a realidade, necessitamos interpretar o significado das formas matemático-geométricas que existem exatamente neste plano inicial da asceze para além da capacidade sensorial. Surge, então, não mais apenas a alegoria do “homem-comum”. Vemos eclodir a figura do pensador-matemático, que abstrai sua mente levando-a a círculos improváveis de raciocínio puro. Em outras palavras: a Geometria se firma como ciência primeira, aquela que rompe os pórticos de entrada dos templos da verdadeira sabedoria.
Seguindo a tradição de tantos filósofos que já haviam prenunciado o valor abstrato das formas poliédricas para o entendimento das realidades além do universo concreto, Platão desvenda e explica porque há tanta valorização dos mistérios desta nobre arte por parte dos especuladores contemporâneos. Indo muito além das questões relacionadas à arquitetura e construções em si, compreender o sentido das formas geométricas significa entender o próprio processo de autoconhecimento e de compreensão do Cosmos.

4-DO CAOS AO COSMOS

No princípio existia o caos, que era a matéria amorfa e sem definição. Depois, surgiu a organização arquitetural destas estruturas e o cosmos se estabeleceu. Este conceito global de formação do universo, trabalhado alegoricamente em nossa ritualística, se apresenta em detalhes na doutrina platônica. A dualidade entre os dois grandes mundos, o sensível e o das idéias, volta ao cerne nesta proposição. Para Platão, a causa verdadeira da existência do chamado “mundo sensível” seria o “mundo inteligível”, ou seja, este gera aquele. As idéias, que podem ser definidas como sendo os princípios formais de tudo que existe, estruturam a matéria ilimitada e indeterminada de caráter físico, o receptáculo sensível chamado também de “chora”.
Mas, como se processa esta transformação rumo ao equilíbrio? Nosso doutrinador não nega a existência dos deuses pessoais - comuns na Antiguidade clássica - mas diz que há uma entidade indefinida, impessoal, estruturalmente múltipla, que se estabelece na possibilidade de encarar a divindade na perspectiva do supra-sensível, ou seja, além/acima dos sentidos. Claramente este agente se refere diretamente ao “mundo das idéias” e às suas infinitas possibilidades. Este ente determinaria que um deus-pessoal ou artífice plasmador, batizado como demiurgo, se incumbisse de trabalhar a matéria bruta de acordo com os moldes imutáveis e elementares (as idéias) criando as cópias que se apresentam no campo sensível.
Em nossa cosmo-visão, o mundo inteligível ou sensível seria o habitáculo ou a representação do Grande Arquiteto do Universo, pois dali se extrai as formas primordiais, e o demiurgo seria a sabedoria, ou a inteligência - que dá forma justa e perfeita a cada detalhe do projeto arquitetural da grande obra.




5-A EXISTÊNCIA DO BEM

Trabalhamos sempre em busca do aprimoramento moral e intelectual da humanidade. Para que isso seja possível é necessário que acreditemos na existência de uma força concreta que impulsione, oriente e determine nossas condutas sempre pela trilha do reto e justo. Platão, de certa forma, define este vértice condutor de nossos caminhos e o denomina de “Bem”. Este seria o princípio supremo, estabelecido no livro “A República”. Nas tradições esotéricas mais antigas tratava-se do número um, ou unidade.
O sistema platônico das idéias se forma de acordo com uma hierarquia perfeita, com ordem e organização, ficando as “idéias inferiores” abaixo das “superiores”. Temos assim o surgimento de uma pirâmide virtual cujo ápice é formado pela idéia elementar, unitária ou essencial: o Bem. Este não seria condicionado por nada mais, pois tem autonomia e potência absoluta, e se constitui no fundamento que torna todas as outras idéias cognoscíveis à mente humana. Ele não se equipara à substância (a matéria da qual são extraídas as coisas) nem à essência (as formas ou idéias elementares), pois está acima de tudo isso, transcendendo a estes planos de forma inequívoca e eterna.

CONCLUSÃO

Fica claro que Maçonaria e Filosofia são frutos da mesma árvore da sabedoria ancestral. Ambas se entrelaçam em uma complexa simbiose de símbolos e significados, interpretando as inúmeras concepções criadas pela mente humana para entender o sentido do universo. Analisamos apenas as cinco passagens acima, que expõe parte do pensamento de Platão, temos a confirmação flagrante que existem evidentes congruências entre estas duas formas de
Dentre as várias escolas filosóficas, a chamada Filosofia Antiga, que floresceu na Grécia em meio às assembléias e debates, exerceu significativa influência na estruturação de nossa doutrina, cuja essência foi estabelecida em tempos imemoriais.
Concluímos, portanto, que ser reconhecido como um legítimo iniciado na sublime Ordem Maçônica equivale a ser considerado, simbolicamente, um digno e valoroso discípulo do grande mestre Platão.

Carlos Alberto Carvalho Pires
cacpires@gmail.com

REFERÊNCIAS:
1- Dinucci, A. “Platão, entre a Filosofia e a Retórica” revista “Prometeus –Filosofia em revista” ano I, n.2, Julho-Dezembro 2008, pág 1-15;
2- Jaeger, W. “Paidéia – a Formação do Homem Grego” cap “A Imagem de Platão na História”, Editora Martins Fontes, 1995, pág 581-591;
3- Moravcsik, J. “Platão e o Platonismo”, 1ª edição, editora Loyola, 2.006;
4- Platão, “A República”, Editora Atenas, 6ª edição, 1.956, pág 286-291;
5- Reale, G. “Para uma Nova Interpretação de Platão” 2ª edição, editora Loyola, 2004;
6- Reale, G. “História da Filosofia – Antiguidade e Idade Média”, quarta parte, “Platão e o Horizonte da Metafísica”, Editora Paulus,1990;
7- Ritual do Simbolismo do Aprendiz Maçom – Rito Escocês Antigo e Aceito, editado pela GLESP, SP, 2003

terça-feira, 30 de junho de 2009

A Egrégora Criadora da Civilização

A Egrégora Maçônica e a criação da Civilização

por Carlos Alberto Carvalho Pires

“Que vindes buscar aqui?”

Esta pergunta aparentemente tão simples, presente em diversas passagens de nossos rituais, pode parecer banal à primeira vista. Mas, a verdadeira razão que semanalmente nos leva aos templos, traz em seu cerne um dos mais profundos mistérios de nossas tradições. Este desejo inexorável pela sublime conjugação com a luz maçônica é deveras antigo. O mesmo animus que atrai os iniciados aos trabalhos nos dias de hoje já operava com força e vigor na aurora do homem, tendo desempenhado papel fundamental em alguns momentos-chaves de nossa história. Apenas depois que os pensadores do passado resolveram se unir em fraternidades surgiu os templos e as cidades. A força deste desejo pela transcendência e conexão alquímica com os mais sagrados mistérios, além de justificar a própria existência de nossa Sublime Ordem, foi a pedra angular para a criação do que chamamos de civilização humana. Sem os trabalhos ritualísticos ancestrais, o homem ainda seria um ser errante, perdido em meio aos instintos básicos, sem manifestar qualquer esboço de estrutura social mais organizada. Nesta breve peça de arquitetura vamos refletir sobre três passagens de nossa jornada evolutiva que comprovam a idéia de que toda obra arquitetônica e cultural jamais criada seriam fruto do mesmo sentimento que nos une como Irmãos, a cada abertura dos trabalhos.

1-PRIMEIRA MANIFESTAÇÃO DA EGRÉGORA ANCESTRAL

O Homo sapiens surgiu há 150.000 anos, durante o período Paleolítico Médio. Para sobreviver, realizava a coleta de frutas e tubérculos e caçava animais selvagens. As comunidades gozavam uma vida tranqüila, ociosa e pacífica. Esta visão paradisíaca do mundo, porém, estava com os dias contados.
Por volta de 40 a 35.000 anos atrás, um fenômeno extraordinário ocorreu. Uma metamorfose explodiu nas mentes de alguns bravos pensadores, gerando uma nova forma de encarar a realidade. O homem passava a questionar o universo tangível, regrado pelos cinco sentidos, e partia para jornadas rumo a algo mais. Foi a eclosão do chamado “Pensamento Simbólico”, que requeria determinados procedimentos meditativos em grupos seletos de pessoas escolhidas dentre os mais sensíveis a este insight revolucionário. Apareceram os rituais elementares, que exigiam união fraternal, rigor na escolha dos candidatos e códigos de honra inquebrantáveis. Sem a congregação em grupos, o pensamento simbólico seria apenas um repente momentâneo esquecido rapidamente.
Os primeiros sítios escolhidos para realizar os trabalhos foram algumas cavernas tortuosas, desbravadas a luz de tochas. Ali os especuladores pioneiros eram iniciados e os magos registravam em magníficas pinturas as visões transcendentais que obtinham em momentos de transe profundo. Estas verdadeiras obras primas feitas nos tetos e nas paredes das grutas representavam pictogramas geométricos multicoloridos, desenhos de animais da fauna local, como bisões, mamutes e antílopes, e algumas formas humanas e antropozoomórficas. Foram achadas primeiramente em Altamira (Espanha, 1.879), depois em Lascaux (França, 1.940), na África do Sul, no Oriente Médio e em toda Europa. Pablo Picasso afirmou defronte Altamira que “definitivamente nada aprendemos ao longo dos tempos” – uma forma significativa de elogiar os talentos artísticos do passado.
Todas estas reproduções apresentavam traços estilísticos similares, apesar de oriundas de comunidades distintas e completamente isoladas. O que levou ao desenvolvimento quase simultâneo destes estímulos criativos em muitos grupos geograficamente separados ainda é um completo mistério para a comunidade acadêmica. Mas, para um verdadeiro especulador da Arte Real, existe uma hipótese. Esta revolução primordial experimentada pela humanidade representa o início da busca incessante pelo desvendamento dos enigmas mais intrigantes. O desejo dos homens de se conectar espiritualmente entre si e a planos intangíveis, acessíveis apenas durante trabalhos ritualísticos estilizados, foi forte o suficiente para agregar os bravos caçadores em torno dos primeiros altares.
Esta fase das pinturas rupestres teve seu fim por volta de 20.000 anos atrás. Os artistas pararam com as elaborações contemplativas junto às rochas úmidas do interior das cavernas. Isto porque outra poderosa revolução criativa brotava nas mentes inquietas dos magos, trazendo inexoravelmente o esvaziamento das grutas. Uma nova ferramenta matemática passava a operar, estabelecendo novos parâmetros estruturais aos sítios de culto ao sagrado. Entrávamos na era da Arquitetura.

2- SEGUNDA MANIFESTAÇÃO: DAS CAVERNAS AO TEMPLO

Em 1.963 um sítio arqueológico foi localizado no sudeste da Turquia. Conhecida como Göbleki Tepe, era uma montanha bizarra contendo ferramentas de sílex e artefatos de ossos depositados sob uma fina camada de solo. Supôs-se que se tratava de um local de práticas ritualísticas, enterrado sob a areia. O valor deste achado foi completamente ignorado àquela época. Mas, a partir de 1.994, novos estudos desenvolvidos por arqueólogos do Instituto Arqueológico Alemão (D.A.I.) abalaram os alicerces de todo conhecimento relativo à evolução histórica da humanidade.
O que surgiu, a partir dos primeiros levantamentos, foi a mais extraordinária descoberta arqueológica dos últimos anos, ou talvez de todos os tempos.
A montanha enigmática foi criada artificialmente, e mede aproximadamente 300 metros de diâmetro. Em seu interior, sob toneladas de areia, se localiza um imenso templo multilocular de extrema complexidade. Aliás, é provável que existam diversos templos sobrepostos, erigidos em épocas distintas ao longo de muitas gerações. Sua idade é um mistério, pois as escavações ainda não se encerraram. Dados preliminares indicam que o estrato mais profundo pesquisado até o momento data de 20.000 anos atrás, ou 15.000 a mais que Stonehenge, e 12.000 anos mais antigo que o misterioso sítio de Çatal-Hüyüki, na Anatólia.
Foram desenterradas grandes estruturas circulares constituídas de arranjos complexos de rochas, algumas assumindo formas concêntricas. Formadas por pilares e monólitos de calcário com quatro metros de altura, são semelhantes arquitetonicamente aos santuários de pedras encontrados na Europa e na Ásia, como o de Nevali Çori. Os blocos em geral têm forma de T. Nas faces destas rochas existem elaborados entalhes reproduzindo, em relevo, figuras diversas como leões, raposas, javalis, pássaros, garças, escorpiões, patos, formigas, e alguns insetos ainda não identificados.
No meio dos círculos surge uma espécie de átrio onde se posicionam duas rochas maiores, uma defronte a outra. Com mais de 5 metros da base ao cume, ostentam esculturas bem definidas de braços e pernas, mas não apresentam olhos ou faces. Para alguns estas duas pedras maiores simbolizariam o casal arquetípico primordial, Adão e Eva, após a “Queda”, pois já seriam trabalhadores. O próprio Göbleki Tepe é tido, em alguns círculos, como sendo o verdadeiro Éden, dada sua localização e demais características que coincidem com as descritas nos textos sagrados.
A construção desta monumental estrutura certamente foi um trabalho hercúleo. Nesta fase ainda não existia a roda, nem o domínio das técnicas de cerâmica e muito menos tinha surgido a metalurgia do cobre, do bronze ou do ferro – tudo ali foi realizado com ferramentas toscas de sílex, de pedras e de ossos de animais. A humanidade era basicamente constituída por grupos nômades de caçadores-coletores.
Não existem evidências de habitações na área. Todas as estruturas encontradas são consideradas exclusivamente voltadas aos cultos – inequivocamente são templos.

3- TERCEIRA MANIFESTAÇÃO: DO TEMPLO À CIVILIZAÇÃO

Göbekli Tepe foi construído na época da selvageria. Neste tempo de caos a vontade dos magos foi tão poderosa que agregou pessoas e sonhos a ponto de viabilizar a criação da primeira proto-organização social conhecida, montada justamente para fornecer mão-de-obra para tamanha obra. Esta entidade embrionária certamente pode ser considerada a guilda número um de arquitetos e pedreiros.
Além dessa inovação nas relações pessoais e de trabalho, Göblekli Tepe também foi palco da mais impressionante revolução empreendida pela humanidade: o advento da agricultura. O local exato onde o agricultor-visionário semeou o primeiro grão se localiza nas cercanias do grande templo. Exames de DNA em diversas amostras de trigo atualmente em uso no mundo comprovaram que a variante selvagem de trigo existente próxima ao templo, que brota na montanha de Karac Dag, deu origem a praticamente todas as formas de trigo comerciais consumidas pela humanidade. Portanto, foi ali que os primeiros plantadores lançaram suas sementes, inaugurando a fase da lavra da terra.
Sobre a domesticação de animais, acredita-se que nos arredores de Göbleki Tepe foram criados os primeiro porcos selvagens destinados especificamente ao abate.
No momento em que a profética trindade templo simbólico, agricultura e pecuária rudimentar despontou no horizonte cultural, surgiram as condições necessárias para o crescimento exponencial da população e para a fixação de grandes contingentes em um único lócus geográfico, por muitos anos. Surgiu, assim, a primeira cidade, não por acaso localizada nas vizinhanças do poderoso templo, um pouco ao Sul. Era a lendária Uruk, fundada na planície da Mesopotâmia - atual Iraque.
Outro salto espetacular na evolução humana também se originou nesta região: a criação da primeira forma de linguagem escrita, conhecida como Cuneiforme, pelos Sumérios.
O fato dos homens nômades terem se unido em uma estrutura social hierarquizada e ordenada a partir de grupos errantes com o objetivo de construir um monumental santuário foi uma descoberta inesperada. Esta situação criou um dos mais extraordinários paradoxos arqueológicos da história: acreditava-se que inicialmente surgiram as cidades, depois teriam aparecido os templos. Seria preciso haver uma mínima organização das comunidades para depois despontar a preocupação com as grandes questões e angústias filosóficas da alma humana. As comunidades nômades e sempre a beira da extinção jamais seriam capazes de unir valores suficientes para erigir estruturas arquitetônicas de grande porte, diziam os estudiosos. Este conceito de fragilidade dos grupos teve que ser revisto. “No início vieram os templos, depois as cidades e toda civilização humana moderna” é a conclusão da moderna Arqueologia.
Por volta de 8.000 anos atrás, a comunidade resolveu encerrar as atividades no imenso santuário. Propositadamente, Göbekli Tepe foi sistemática e cuidadosamente soterrado. A razão desta medida radical não está bem definida. O aumento demasiado da população local, somado à multiplicação das vertentes religiosas, podem ter contribuído para o esvaziamento do culto ali praticado.

4-CONCLUSÃO

O ser humano, durante a maior parte de sua existência, viveu da caça e coleta, sem necessitar elaborar uma organização social mais complexa. Isto mudou com o advento do chamado “Pensamento Simbólico”, seguido pela construção dos primeiros templos. Estes eventos cristalizaram uma nova relação do homem com a realidade.
A criação das primeiras sociedades místico-filosóficas, que uniam os iniciados em uma mesma espiritualidade, gerou a eclosão da agricultura, das cidades e da própria civilização, representada pela totalidade cultural que nos envolve. Isto ocorreu porque o desejo de se congregar em rituais simbólicos, onde se buscam a transcendência e a alquimia entre todos os planos do universo, é uma das mais poderosas e inevitáveis forças da psiquê. Esta sublime transubstanciação, que retorce o tempo e o espaço, nos conecta alegoricamente aos complexos ritos elaborados pelos primeiros construtores sociais e possibilita a reflexão sobre o funcionamento do macro e microcosmo. Esta é a razão fundamental de existir as ordens iniciáticas contemporâneas, fiéis herdeiras dos cultos ancestrais que operavam em épocas há muito esquecidas.
O poder que nos une em Loja já criou uma civilização. Agora, nos traz a certeza de que, apesar das turbulências das infindáveis gerações, a verdadeira essência de nossa fraternidade há de persistir incólume por toda eternidade.

Ir Carlos Alberto Carvalho Pires, M.M.
A.R.L.S. Acácia de Jaú 308 GLESP - cacpires@gmail.com

5-REFERÊNCIAS:

5.1-Akkermans, Peter “The Archeology of Syria: from complex hunter-gattereds to early urban societies (16000-300 BC)”, Editora Cambridge University Press, 2004;
5.2-Barker, Graene “The agricultural revolution in prehistory: why did foragers become farmers ”, Editora Wiley-Blackwell, 2004;
5.3-Corio, David “Megaliths”,Editora Random House UK, 2003;
5.4-Pires, Carlos A C, “Origens – Em Busca do Primeiro Maçom” Revista Maçônica “A Verdade”, Editada pela Glesp, Edição 461, Julho Agosto 2007;
5.5-Spivey, Nigel “How art made the world”, Editora Basic Books, 2006.
5.6-Wenke, Robert J “Patterns in Prehistory: humankind´s first three million years”, Editora Oxford University Press, 2006;
5.7-Site maçônico: www.maconariabrasil.wordpress.com

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

A Mulher, a Maçonaria e o 18o Landmark de MacKey

A Mulher e a Maçonaria – Reflexões sobre o 18º LandMark de Mackey
IRMÃO CARLOS ALBERTO CARVALHO PIRES, M.M.
A.R.L.S. Acácia de Jaú 308 - cacpires@gmail.com

1-A práxis para o estudo de qualquer assunto maçônico envolve o desenvolvimento de uma pequena jornada no tempo e espaço, em busca dos elementos seminais que determinaram a síntese subjetiva que vemos hoje. Toda obra arquitetônica definitiva se entrelaça ao primeiro traço na prancheta, onde jazem os verdadeiros fundamentos.

2- Lançar nosso olhar pós-moderno sobre idéias que se cristalizaram ao longo de milênios de conhecimento acumulado, como as existentes no 18º Landmark de Mackey (1.856), pode ser uma atitude temerária. Temos que considerar as diferentes formas de intepretar a realidade que definem o pensamento humano ao longo de toda evolução histórica. Assim alcançamos a acesze intelectual que brota das luzes emblemáticas da Ágora de Hiram, rumo à sublimação.

3-Podemos dividir a evolução do pensamento humano em cinco fases distintas, todas simbolicamente representadas em Loja. O Venerável-Mestre traduz o Homem Primordial ou primeiro Homo sapiens, que estabeleceu as bases das tradições esotéricas. O Primeiro Vigilante é o Homem Greco-Romano, aquele que codificou os grandes temas político-filosóficos do mundo ocidental. O Segundo Vigilante se mostra como o Homem Medieval, cujo espírito se acomodava sob o dossel da transcendência divina. No Oriente existe a figura do Homem Moderno, com sua crença absoluta na razão esclarecida, incorporado pelo Orador. Por fim temos aquele que quebrou todos os paradigmas de fé, seja na natureza, na religião ou na ciência - é o Irmão Secretário irrompendo entre Colunas como metáfora do Homem Pós Moderno.
4-Estas cinco Colunas basilares da Oficina estabelecem cinco retas entre si que criam uma figura geométrica justa, quando conectadas. A chamada estrela pentalfa representa um sistema dinâmico onde o macro e o microcosmo se fundem. Esta síntese psíquica gira no sentido dextrógiro, em torno do altar dos juramentos, como uma cruz gamada absorvendo energias do universo. A união alquímica entre as mentes antigas e as atuais, dos grandes pensadores do passado e dos iniciados contemporâneos, se torna uma realidade simbólica.

5-A estrela do conhecimento repentinamente trava seu movimento, tal qual o astro-rei nos solstícios. Seu eixo aponta para o altar do Venerável Mestre. A partir deste ponto começaremos nossa jornada meditativa, focando a mente do Primeiro Homem. Nesta fase não existiam casas, cidades, reinos nem qualquer forma de organização social. Os homens vagavam errantes pela mãe África. Caçando e colhendo frutos, gozavam uma vida paradisíaca.

6-Apesar da aparente paz, os grandes questionamentos sobre os fenômenos naturais, biológicos e filosóficos já inquietavam a arena psicológica dos pioneiros. Nossos antepassados concluíram que devia haver uma realidade paralela imperceptível aos cinco sentidos. Esse outro mundo estaria na penumbra, como um universo oculto, determinando nossos destinos.

7-A beira do completo caos psíquico que estas angústias traziam, surgiu a redenção. Um determinado membro do grupo, dotado de carisma profético, assumiu seu bios político bradando que podia explicar os mistérios ocultos. Este sábio, mago, druída, sacerdote ou bruxo afirmava entender o conjunto de idéias desconexas que fogem à compreensão racional. Para dar sentido a estes pensamentos inquietantes seria preciso regrá-los, enquadrando-os em procedimentos ritualísticos elaborados.

8-Os rituais primordiais ocorriam em cavernas profundas, à luz de tochas. O xamã fazia pinturas artísticas nas paredes, reproduzindo pictogramas, além de figuras de animais e de entes antropozoomórficos. Só participavam dos trabalhos aqueles que eram convidados, pois nem todos apresentavam as mínimas qualificações espirituais para compreender esta visão expandida da realidade. Surgiam as chamadas “comunidades dos escolhidos”- ekklesia em grego.

9-Os sábios perceberam que para decifrar um mistério era preciso vivenciá-lo: tinham que encarar o poder de frente e vencê-lo, voltando ilesos das jornadas cheias de riscos a que se submetiam. A forma de se trabalhar estas angústias, sem submeter os voluntários a riscos reais, seria interpretá-las através de narrativas simbólicas.10-Para definir a essência dos temas mitológicos, consideraram a existência de certas idéias que operavam em aparente antagonismo, mas que mantinham estreita conexão de sentidos. Estabelecendo uma relação dialética, dois conceitos - tese e antítese - acabavam se assimilando em um terceiro, que incorporava elementos das duas proposições anteriores. Como exemplos destes sistemas temos o dia e a noite, a vida e a morte, o finito e o infinito, o micro e o macrocosmo, o sol e a lua e muitos outros. Toda ritualística tinha que incorporar apenas um dos pólos desta relação para ter efetividade. A partir desta escolha se estabelecia a tradição a ser seguida e respeitada ad aeternum.
11-Muitas vertentes esotéricas consideraram a dualidade macho/fêmea e as estações do ano para a construção das narrativas. Sabemos que existem duas fases distintas a cada giro da Terra em volta do Sol. A primeira seria voltada ao reinado da vida, da luz, do calor e da abundância, que engloba a primavera e o verão. A segunda se refere às estações onde impera o frio, a fome, as doenças, o medo, e a morte – falamos do outono e do inverno.

12-A vida vegetal, que floresce nas épocas de Sol e decai nos meses de trevas, brota do ventre da Terra assim como os animais nascem do ventre de suas mães. A Terra, assim, assumia o epíteto de Mãe-Terra ou Deusa. Os cultos primordiais eram dedicados a esta figura poderosa, com forte ligação às coisas da natureza. Repletas de signos relativos à fertilidade, estas ordens tinham nas sacerdotisas a fonte de veneração. Destacam-se os cultos à Isis, à Innana, à Hera, à Ceres, à Maria Madalena e à Minerva.

13-O principio fertilizador, necessário ao advento da vida, era o Sol. Isso porque quando ele se afasta, a vida fraqueja. No inverno o astro praticamente morre. Seu óbito ocorre metaforicamente no solstício de inverno, em 21 de dezembro. E quando o Sol falece, deixa viúva a Mãe-Terra. Restam apenas no deserto gelado alguns troncos perenes, os “troncos-da-viúva”, e raras folhagens que resistem às intempéries, como as acácias.
14-Outros grupos resolveram não adotar o conceito ontológico da Mãe-Terra. As narrativas deviam transcender o reino telúrico e chegar, triunfantes, aos céus. Criaram-se os mitos solares. O Sol passava a ser o protagonista das narrativas. Nestes procedimentos, o herói tem um nascimento tumultuado, depois passa por inacreditáveis situações de risco, sendo muitas vezes lançado em rios, enclausurado em arcas ou berços improvisados. Após uma juventude misteriosa, tem um momento de “iluminação”, quando ouve um chamado.

15-Este é o estopim para o início de uma viagem em que o iniciado vai resgatar algo que era legitimamente seu, mas que foi usurpado por uma força injusta. Repleta de perigos, esta epopéia geralmente leva os bravos aos confins do oriente. Lá está o objeto de redenção, que se desdobra em várias figuras arquetípicas, como o cálice sagrado, a pedra filosofal e a palavra perdida. Depois de achar o que procurava, e derrotar o maior dos adversários – um ente que representa as forças primitivas e elementares da natureza – o conquistador retorna são e salvo ao seu grupo, fortalecido e equilibrado.

16-A viagem heróica é uma metáfora do processo de individuação. Representa a busca pela identidade que todos devem empreender para atingir a maturidade. O homem tem que conhecer o papel individual que lhe foi reservado, e que vai marcar sua fugaz passagem pela vida. Esta sabedoria só é possível através do autoconhecimento, fenômeno acessível apenas àqueles que adentram aos mais profundos labirintos de nosso subconsciente.

17-Toda experiência maçônica nada mais é do que uma complexa e elaborada jornada psíquica: trafegamos do mundo consciente, simbolizado pelo Ocidente, aos planos mais profundos do inconsciente, representado pelo Oriente. Os trabalhos ritualísticos traduzem a busca atemporal por aquilo que foi perdido em tempos imemoriais. A falta deste objeto intangível nos torna seres incompletos e eternamente angustiados em nossa subjetividade.

18-Assim como Mitra, Apolo, Krishna, Rama, Gilgamesh, Hórus, Teseu, Prometeu e Hércules, nosso herói Hiram Abiff é um mito solar. Todos personificam o pólo masculino, positivo e ativo da relação dialética entre macho e fêmea. Por esta opção ancestral realizada pelos primeiros doutrinadores de nossa Ordem apenas homens devem ser escolhidos para vivenciar, na plenitude, as experiências místicas inerentes ao universo simbólico da sagrada Arte Real.

Referências:
1-Campbell, J. “Mitologias Primitivas”, 7ª Edição, Editora Palas Athena, 2005
2-Campbell, J. “O Poder do Mito”, 1ª Edição, Ed. Palas Athena, 1990;
3-Glesp, “Ritual do Simbolismo do Aprendiz Maçom”, 2.001;
4-MacDowell, J “Saber Filosófico, História e Transcendência”, Ed.Loyola, 2.002;
5-Jung, C.G. “Psicologia e Alquimia”, 2ª Edição, Editora Vozes, 1994;
6-Pires, C.A.C., “Origens – em busca do primeiro maçom”, revista maçônica “A Verdade”, editada pela Glesp, Ano LV, edição No 461, julho/agosto 2007
7-Pires, C.A.C. “O Simbolismo Maçônico em Stonehenge”, site “Pietre Stones – Review of Freemasonry” http://www.freemasons-freemasonry.com/stonehenge_maconaria.html
Irmão Carlos Alberto Carvalho Pires, M.M.
cacpires@gmail.com
A.R.L.S. Acácia de Jaú 308 – Or de Jaú SP

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Maçonaria: Adão foi o Primeiro Maçom?

Maçonaria: Adão foi o Primeiro Maçom?
por Carlos Alberto Carvalho Pires

Adão era um legítimo Maçom? Esta intrigante questão, para ser adequadamente respondida, requer o desenvolvimento de uma breve reflexão. O que realmente significa ser um iniciado na Arte Real, seja atualmente, seja em tempos imemoriais, é o verdadeiro enigma a ser decifrado. Se considerarmos que só após o surgimento da Maçonaria como entidade formal, com a institucionalização dos ritos e estabelecimento da estrutura organizacional, poderiam existir Maçons operando a plena força, claro fica que jamais teríamos um pedreiro-livre em meio às figueiras do paraíso. Mas, se o verdadeiro espírito de Hiram transcende as eras, e já se mostrava vivo e operante quando o primeiro sopro de vida irradiou-se pelo firmamento, podemos estar diante de uma maravilhosa saga maçônico quando analisamos as mitologias relativas ao início de tudo.
1- O MITO DA CRIAÇÃO
Em todas as civilizações existentes ou que já existiram as preocupações com o início dos tempos é lugar-comum. Isto porque faz parte da natureza humana vislumbrar uma explicação racional para todos os mistérios, mesmo quando a própria razão se esgota. Nossas mentes inquietas exigem que as lacunas na totalidade cultural sejam preenchidas de uma forma ou outra, pois o que mais angustia e dilacera nossas almas é a falta de entendimento sobre as grandes questões da existência.
Considerando que deve ter havido um ponto primordial, ou um momento zero que tudo inicia, a mente criativa do Homo sapiens criou um intrigante arquétipo para elucidar esta área nebulosa de nosso passado. Surgiam as Cosmogonias ou os Mitos da Gênese, que relatam o aparecimento da natureza juntamente ao casal primordial. Traçado originalmente em um tempo esquecido, mas perpetuado por inúmeras culturas e civilizações ao longo das eras, o drama do primeiro homem e da primeira mulher ainda permanece vivo em nossos corações e almas. Por se tratar de uma angústia similar a todos os homens, as narrativas apresentam traços comuns, apesar das grandes distâncias geográficas e temporais existentes entre as culturas que as codificaram.
A dominância inicial de trevas imensas que tudo envolvia, por exemplo, é uma lenda contada pelos índios Pima, antigos habitantes da América do Norte. Depois teria surgido a luz, que acabou com a noite eterna. No vale do rio Indo, os Upanixades acreditam que o ser inicial criou o homem a sua imagem e semelhança, por ter se sentido solitário - isso data de seis mil anos atrás. Outro caso interessante vem da África ocidental, da tribo Bassari. Estes guerreiros dizem que Unnumbotte, o princípio criador, gerou o homem, depois o antílope e a serpente, e os obrigou a trabalhar a terra.
Em termos maçônicos, sabemos pelas antigas tradições que o G.A.D.U. resolveu, em determinado momento, lançar luz sobre as trevas. Materializava, assim, o sopro divino na forma das criaturas vivas que habitariam os diversos planos da existência. A matéria primordial, ou Pedra Bruta, seria lapidada para adquirir vida. Este substrato natural, simbolizado pelo número 4, englobando os elementos essenciais, seria complementado pelo número 3, o algarismo perfeito. Assim como em nosso avental, onde o quadrado se une ao triângulo espiritual e nos traz o equilíbrio justo, a vida floresceu e marchou a passos firmes rumo à evolução. O momento inicial de surgimento do homem-maçom dá-se, simbolicamente, durante o rito da Iniciação – mais especificamente quando os candidatos professam seus juramentos solenes.
2- O ÉDEN ENTRE COLUNAS
Dentre as inúmeras mitologias existentes, vamos nos ater à versão descrita na tradição Judaico-Cristã, que influenciou toda forma de pensamento no mundo ocidental. Registrada no livro do Gênesis, o primeiro do Pentateuco ou de Moisés, ali está descrita uma visão estilizada do que teria sido a estupenda criação do mundo pelo G.A.D.U. em sete dias. O Jardim do Éden é uma metáfora de um mundo de sonhos, onde o tempo, o nascimento, a própria vida e a morte não existem. O Criador, ser uno e permanente, resolvera tornar-se finito. Assim o fez por necessidade, não por vontade. O personificador da substância infinita, presente em tudo, criou, então, a natureza. Como faltava um jardineiro para cuidar de seu jardim, lançou-se em mais um projeto arquitetônico: um ser lapidado a sua imagem e semelhança iria habitar aquele mundo de contemplação. O primeiro homem, Adão, brotou da terra. Com vida eterna, por comer livremente da árvore do conhecimento, vivia em perene contemplação, em conjunção intrínseca com a divindade, como uma extensão ideal da própria substância que o gerara. E para acompanhá-lo, o Criador extraiu de seu corpo a matéria para forjar a companheira ideal, Eva. A obrigação deles seria dominar a terra, se multiplicando. O único impedimento seria buscar a verdade sobre o que é o bem e o que é o mal – estavam proibidos de se alimentarem com os frutos da famigerada árvore do conhecimento.
O que nos impressiona, analisando alguns trechos desta maravilhosa narrativa à luz dos preceitos maçônicos, é que muitos elementos existentes em nosso Simbolismo já operavam a plena força e vigor nos primórdios dos tempos. Destacaremos apenas nove passagens que comprovam esta tese.
2.1- O Elemento Terra
No Capítulo 1, versículo 24, existe uma situação inicial onde “disse também Deus: produza a terra seres viventes”. Disso percebemos, metaforicamente, que todos foram forjados da terra. Este elemento, um dos tijolos essenciais formadores da totalidade existencial na visão esotérica e na concepção da Alquimia, já se mostrava como matéria prima operativa do G.A.D.U. Na Iniciação maçônica, a prova da terra representa o começo da jornada do aprendiz e aqui, no limiar da gênese, também se apresenta como o elemento iniciador do processo existencial.
2.2- A Igualdade
Ainda neste primeiro capítulo, é dito que “Criou Deus o homem à sua imagem” (versículo 27). Fica claro que existe uma comunhão entre a substância universal e o ser criado. O principio da igualdade entre os homens, enquanto regidos pela mais elevada ética, é aqui evidente. A mais justa e perfeita igualdade ocorre entre o Criador e seus filhos. Assim, não é concebível haver qualquer forma de discriminação entre os homens se todos foram feitos da mesma matéria, sendo similares na estética que se espelha no pressuposto criador.
2.3- O Ciclo da Vida
Vendo o Capítulo 2, versículo 9, notamos que “do solo fez Deus brotar toda sorte de árvores, e também a árvore da vida no meio do jardim e a árvore do conhecimento do bem e do mal”. Aqui temos uma forma de dom da imortalidade sendo repassado aos homens, através da árvore da vida – figura mitológica co-irmã da “fonte da juventude”. Comendo os frutos desta planta, a pessoa jamais morre. Mas, qual o simbolismo desta premissa? Temos duas formas de avaliar esta condição. Podemos considerar que há uma referência a um componente eterno que não se desfaz no momento da morte, ou que existe uma perenidade concreta do ser humano, que nunca experimentaria as desgraças da velhice, das doenças, da decrepitude física e dos sofrimentos pré-mortuários. Mas, por outro lado, devemos filtrar este simbolismo com o as lentes do terceiro e mais filosófico olho. Talvez o homem estivesse ainda em uma fase de total imaturidade em relação aos martírios e às dificuldades da vida, como Sidartha Gautama enquanto preso em seu palácio, antes da “iluminação”. Como qualquer criança na primeira infância, a morte é uma figura inexistente, e todos se acham eternos e invulneráveis às mazelas normais de qualquer ser vivente. Por este segundo prisma, percebemos uma simbiose com a situação do candidato. Ele deve vislumbrar sua condição natural e passageira na primeira prova, na câmara das reflexões. Ter noção de nossa limitação física e temporal é condição essencial para se iniciar nos mistérios da Ordem. Portanto, quem ficar satisfeito apenas com o acesso aos frutos da árvore da vida, não tem condições para ser indicado como obreiro.
2.4- Discernir entre o Bem e o Mal
Nos versículos 16 e 17 é dito que “E Deus deu esta ordem: de toda árvore do Jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento não comerás”. Aqui volta o risco de manter o jovem nas trevas, pois além de se manter sem noção de sua incapacidade de viver eternamente, lhe é mandado que nunca busque a sabedoria sobre o que é certo e errado, o que representa a vida justa e reta, sem vícios, e o caminho do mal. A verdade sobre a virtude e o terror são negados ao homem. Deste modo, Adão se via diante de um dilema: seguir cegamente as orientações expressas ou buscar a luz do conhecimento, estando pronto para arcar com as conseqüências?
2.5- Faça-se a Luz!
A mais clara conexão entre a saga de Adão e a jornada do Aprendiz está relatada, de maneira primorosa, no Capítulo 3, versículo 5: “no dia em que comeres da árvore do conhecimento, se vos abrirão os olhos, e como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal”. Aqui, só falta aguardar o acorde de Zaratustra para se descrever um dos momentos mais marcantes de nossa vida maçônica. Abrir os olhos é a metáfora equivalente a retirar as vendas, que impedem a ação de nossa visão espiritual sobre a realidade. A comunhão com o infinito, que é a substância divina se estabelece exatamente neste momento, na forma da autoconsciência adquirida, sabendo julgar, agir e ser completamente responsável por todos seus atos. Em suma, tornamo-nos livres. Esta manifestação livre da vontade se apresenta no versículo 6 , quando é relatado que Eva e Adão comeram o fruto da árvore do conhecimento.
2.6- O Avental Primordial
Em seguida ao acesso à verdadeira sabedoria, relatado acima, vemos mais um elemento fundamental de nossa ritualística sendo introduzido na cena primordial. O avental, que cobre os três chakras cabalísticos mais inferiores, se apresenta na forma de uma cinta com folhas que são colocados no casal inicial, imediatamente após abrirem os olhos – isto está no versículo 7 , “Abriram-se, então, os olhos, e vendo-se nus fizeram cintas com folhas de figueira para si”.
2.7- O Auto-Conhecimento
No capítulo 3, versículo 10 e 11, Adão se manifesta afirmando que tem consciência de estar nú. Pela primeira vez na vida ele adquirira esta capacidade tão elementar a todos: de se auto-enxergar. A metáfora da nudez, aqui, representa a condição do ser humano quando livre de todos os atributos superficiais. Assim permanece apenas sua essência. Esta é uma premissa básica de quem busca a verdade. Primeiramente temos que conhecer nossa realidade, sabendo exatamente quem somos, para depois decifrar os mistérios do universo. Este pressuposto absoluto, que escancara nossa finitude temporal como um dos grandes mistérios de nosso ser, estava registrada no frontão do templo a Apolo, em Delfos ( gnothi sauton, ou nosce ipsum em latim). O ato de se conhecer, de enxergar fundo nos próprios olhos atingindo o mais obscuro labirinto da alma, é condição indispensável a todos que desejam a plenitude.
2.8- A Virtude do Trabalho
O exercício de um trabalho honesto e digno, como bem sabemos, é obrigação elementar de todo maçom. Ganhar a vida com os próprios esforços, derivados dos méritos e talentos individuais, é predicativo indispensável aos obreiros. Um maçom não pode ser um ente imprestável, que vive à sombra de outro, como um parasita. Este preceito básico incrivelmente aparece, de maneira direta, no versículo 17 e 19 deste mesmo capítulo. Vemos que “disse Deus a Adão: …em fadiga obterás, da terra, o sustento. No suor de teu rosto comerás o teu pão, até que tornes a terra, pois dela foste formado, porque és pó e ao pó retornará”. Portanto, a necessidade de exercer efetivamente um trabalho já se tornava uma norma inquestionável ao querido Adão. Ele abandonou a vida fácil da coleta de frutos, na qual se mantinha em contemplação vegetativa permanente, tal qual faria um bom e legítimo maçom contemporâneo.
2.9- A Liberdade
Liberdade pode ser definida como a capacidade de conhecer, julgar, agir e ser responsabilizado por isso. Vemos que a premissa básica do ser livre é ter conhecimento adequado sobre qualquer evento, principalmente quando diante de um dilema ético. No final do capítulo 3, é revelada a Adão sua nova condição: “Disse Deus: eis que o homem se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do mal” (versículo 22). Adão se apresenta como um ser humano pleno, com noção de sua finitude e de suas limitações, e totalmente livre para agir conforme a ética mais justa, sendo também o único responsável por seus atos, pois agora conhece o caminho do bem e do mal. 3-
CONCLUSÃO
As primeiras manifestações ritualísticas, segundo muitos estudos, já operavam embrionariamente no seio da mãe África. Há milhões de anos em comunidades humanas fincadas na planície de Olduwai já se praticariam cerimônias com nuances do simbolismo atual. Posteriormente, o culto à Akhenaton, o deus-sol venerado na cidade perdida de Amarna, aprimoraria tais ritos. Mais aperfeiçoamentos seriam incorporados pelo contato com os cultos a Elêusis na Grécia, com as empreitas dos Collegia Fabrorum de Roma e pela chegada do esoterismo dos Essênios. Na rotina das Guildas medievais o valor do trabalho seria destacado. Chegamos com força à época da lenda de York e dos famosos Manuscritos Cook e Regius. Os Cátaros, os Templários e a reação da Santa Inquisição marcaram com fé e sangue nossos primeiros catecismos. A fundação da Royal Society pode ter sido o catalisador que faltava para a publicidade experimentada pela primeira vez em 24 de Junho de 1.717, com o surgimento da primeira obediência, em Londres. Nossa tradição, enquanto sociedade iniciática organizada, sofreu todas estas influências ao longo de sua história. Seguindo esta linha temporal, que considera a formalização da Ordem como condição essencial para o reconhecimento dos legítimos obreiros, fica evidente que não seria possível existir um iniciado em tempos remotos.
Mas, se pensarmos na Maçonaria como um estado de espírito intangível e inefável, que norteia nossas vidas mostrando o caminho justo a seguir independentemente de haver ou não qualquer estrutura formal para regulamentar este estado da alma, vemos que existe algo mais do que a historiografia oficial nos apresenta. Por esta forma de encarar os fatos, quando surgiu o primeiro homem tocado pela verdadeira luz maçônica, teria aparecido a filosofia mais sublime jamais criada. Os conceitos, os princípios e as verdades ancestrais que fundamentam nossa Ordem, e que se cristalizam nas almas dos legítimos Irmãos, surgiram muito antes que qualquer rito ou doutrina oficial fosse registrado – floresceram em um tempo há muito esquecido, perdido em meio às brumas da eternidade. E, deste modo, a saga de Adão pode perfeitamente ser considerada uma poderosa jornada pelas Colunas de Hiram.
4-Referências
4.1- “Biblia Sagrada”, tradução de João Ferreira Almeida, Editora da Sociedade Bíblica do Brasil, SP, 2002;
4.2- Campbell, J. “O Poder do Mito”, 1ª Edição, Editora Palas Athena, 1990;
4.3- MacNulty W K , “Maçonaria: uma Jornada por Meio do Ritual e Simbolismo”, Editora Madras , São Paulo , 2.006 ;
4.4- Pires, Carlos A C, “Origens – Em Busca do Primeiro Maçom” Revista Maçônica “A Verdade”, Editada pela Glesp, Edição 461, Julho Agosto 2007;

4.5- Ritual do Simbolismo do Aprendiz Maçom, Editado pela GLESP, SP, 2001;

4.6- Robinson JJ ,“Os Segredos Perdidos da Maçonaria”, Editora Madras, SP, 2.005 ;

terça-feira, 7 de outubro de 2008

O Templo-Criador da Civilização: Göbekli Tepe

O Templo-Criador da Civilização: Göbekli Tepe
por Carlos Alberto Carvalho Pires

1-INTRODUÇÃO
O ser humano moderno ou Homo sapiens surgiu há cerca de 200.000 anos, durante o período Paleolítico Médio (300 a 40.000 anos atrás). Desde o início de sua jornada histórica, seguindo os ensinamentos dos hominídeos anteriores, vivia da coleta de frutas e tubérculos, que extraia da mãe-natureza de maneira ecológica. Além do cardápio vegetariano, buscava proteína animal realizando caçadas aos animais selvagens, atividade normalmente restrita aos homens. Isto foi sua realidade cotidiana por aproximadamente 140.000 anos. As comunidades gozavam uma vida tranqüila, ociosa e pacífica. A existência era uma constância linear, apenas voltada às necessidades básicas, sem grandes sobressaltos no status quo entre incontáveis gerações. Certamente as grandes preocupações universais já existiam, mas os pensadores não deixaram registros arqueológicos destes tormentos ancestrais, nestes primeiros milênios. Esta visão paradisíaca do mundo, porém, estava com os dias contados.Por volta de 40 a 35.000 anos atrás, um fenômeno extraordinário ocorreu. A mente operando no maior cérebro existente começava a produzir uma nova forma de se encarar a realidade. Surgia o chamado pensamento simbólico, e este insight passou a integrar todos os rituais tribais elementares. As imagens fundindo a realidade com situações insólitas, provavelmente criadas durante viagens transcendentais, forçavam sua manifestação concreta, tangível, e ex-corporis. Os magos inicialmente expressavam estas visões bidimensionais advindas dos momentos de intensa reflexão em magníficas pinturas. Sedimentadas em cavernas da África, Europa e Oriente Médio, estas verdadeiras obras de arte da humanidade foram achadas primeiramente em Altamira, na Espanha (1.879). Depois surgiram as obras primas de Lascaux, na França (1.940), e inúmeras “galerias” na África do Sul. Picasso afirmou que “definitivamente nada aprendemos ao longo dos tempos” – uma forma significativa de elogiar os talentos artísticos do passado. Todas estas reproduções apresentavam traços estilísticos similares, apesar de oriundas de comunidades distintas e completamente isoladas. O que levou ao desenvolvimento quase simultâneo destes estímulos criativos em tantos grupos geograficamente separados ainda é um completo mistério. Os pictogramas geométricos multicoloridos, os desenhos de animais da fauna local – como bisões, mamutes e antílopes – geralmente em momentos de quase-morte ou morte assim como as formas humanas ou zoomórficas, também nas mesmas situações moribundas, sugerem que os magos apenas reproduziam fielmente o que vislumbravam nos momentos mais intensos dos rituais a que se submetiam.Infelizmente esta fase das pinturas rupestres também teve seu fim. Subitamente, por volta de 15.000 anos atrás, os artistas perderam a inspiração. Não se dedicavam mais às artes nas rochas úmidas do interior das cavernas. Como a razão deste fato também era um enigma, gerou o surgimento de muitas teorias visando explicar o que teria desencadeado esta “pane” na mente criativa. A mais coerente se referia à precariedade desta fase, que baseava a subsistência dos indivíduos na caça e na coleta. Assim, era de se esperar que os surtos criativos fossem interrompidos, pois as comunidades eram extremamente frágeis e desorganizadas a ponto de quase se extinguirem por completo várias vezes – estas crises poderiam ter levado ao nosso desaparecimento total, muito antes de termos cultivado o primeiro cereal ou domesticado qualquer animal.Mas, a partir das escavações na Turquia, em 1.994, a luz surgiu em meio às trevas. Uma resposta científica começava a aflorar. A razão do ocaso dos cultos em cavernas se devia à busca por uma melhor elaboração dos rituais, que estavam se tornando mais complexos – e por isso deviam abandonar os limitados palcos das grutas . As telas de rochas com imagens bidimensionais já não satisfaziam o que a mente em expansão requeria em termos de exercício de linguagem simbólica. A partir de agora não seria mais a natureza quem forneceria as estruturas templárias necessárias aos serviços espiritualizados. O próprio homem passava a criar obras de engenharia direcionadas às causas dos mundos ocultos. E assim se fez: surgiu o primeiro templo da humanidade, a cerca de 50 km ao norte da atual fronteira turco-síria.

2- O TEMPLO DE GÖBLEKI TEPE
Em 1.963 um novo sítio arqueológico foi localizado no sudeste da Turquia. Em uma montanha de aspecto bizarro, ferramentas de sílex e alguns artefatos de ossos estavam depositados sob uma fina camada de solo. O valor deste achado foi completamente ignorado àquela época. Mas, a partir de 1.994, novos estudos desenvolvidos por arqueólogos do Instituto Arqueológico Alemão ( D.A.I.) e do Museu de Sanliurfa – a cidade turca a aproximadamente 15 km de distância - abalaram os alicerces de todo conhecimento relativo à evolução histórica da humanidade.O que surgiu, a partir dos primeiros levantamentos, foi a mais extraordinária descoberta arqueológica dos últimos cinqüenta anos, ou talvez de todos os tempos.A montanha enigmática foi criada artificialmente pelo homem, e mede agora aproximadamente 300 metros de diâmetro. Em seu interior se localiza um dos mais impressionantes tesouros arqueológicos jamais descobertos. Sua idade é um mistério, pois as escavações ainda não se encerraram. Dados preliminares indicam que o estrato mais profundo pesquisado até o momento data de 12.000 anos atrás, ou 7.000 a mais que Stonehenge, e 4.500 anos mais antigo em relação ao poderoso sítio de Çatal-Hüyüki, na Anatólia. Nesta fase ainda não existia a roda, nem o domínio das técnicas de cerâmica e muito menos tinha surgido a metalurgia do cobre, do bronze ou do ferro – tudo ali foi realizado com ferramentas toscas de sílex, de pedras e de ossos de animais. E o que mais intriga: a humanidade era basicamente constituída por grupos isolados e nômades de caçadores-coletores. As vilas, as cidades, ou qualquer outra forma de estrutura social mais elaborada ainda estavam por vir.Foram desenterradas grandes estruturas circulares ou ovais constituídas de arranjos complexos de rochas, nitidamente com características de templos ritualísticos. Formadas por pilares ou monólitos de calcáreo com quatro metros de altura, são semelhantes aos santuários de pedras bem mais recentes encontrados na Europa e na Ásia – como Woodhenge e Nevali Çori. No meio dos círculos surge uma espécie de átrio, onde se posicionam duas rochas maiores, com mais de 5 metros. Os monólitos circundantes têm forma de T, e são unidos por uma espécie de muro de pedras menores empilhadas, que os envolvem pelo lado externo. Nas faces das rochas existem elaborados entalhes ou esculturas reproduzindo, em relevo, figuras diversas como leões, raposas, javalis, pássaros, garças, escorpiões, patos, formigas, e alguns insetos ainda não identificados. Os blocos centrais maiores tem entalhes de mãos, braços e pernas, mas não apresentam olhos, bocas ou mesmo faces – podem representar figuras antropomórficas assexuadas.Outro fato que impressiona, além da idade dos monumentos, é que ainda não se descobriu tudo que se encontra sob a terra. Até a 12ª e última campanha, encerrada em outubro de 2.006, cerca de quatro destes círculos foram descobertos, totalizando apenas 40 rochas expostas. Porém, estudos geomagnéticos indicam que existem mais de 240 rochas sob o solo, ou 16 novos conjuntos circulares ainda intocados. Mais um sinal que indica a existência de muitos estratos incólumes são as rochas achadas nas pedreiras – que se posiciona a 1 km do centro do sítio - com cerca de 9 metros de comprimento. O detalhe é que não desenterraram nenhuma pedra deste tamanho nos círculos já expostos. Então, se conclui que nas camadas mais profundas ainda vão ser localizadas pedras deste porte, além de muitas outras surpresas.Não existem evidências de habitações na área. Todas as estruturas encontradas são consideradas exclusivamente voltadas aos cultos – inequivocamente são templos.Por volta de 8.000 anos atrás, a comunidade resolveu encerrar as atividades do imenso santuário. Propositadamente, Göbekli Tepe foi sistemática e cuidadosamente soterrado. A forma como a terra se posiciona entre as rochas não deixa dúvidas quanto a isso. A razão desta medida radical não está bem definida. Pode ser que o aumento demasiado da comunidade levou à impossibilidade de sustentação das pessoas. Ou o crescimento das cidades, somado à multiplicação das vertentes religiosas, esvaziou o culto ali praticado.

3-CULTO ANCESTRAL
O santuário certamente seguia as mesmas tradições ritualísticas iniciadas no Paleolítico, pelas tribos errantes de caçadores. Só que agora a liturgia e o trabalho com os diversos elementos simbólicos arquetípicos se mostravam mais elaborado. Durante a noite, sob a luz e o calor de tochas, os relevos dos animais entalhados se destacam de maneira impressionante. Parecem adquirir vida própria, com o tremular das chamas. Os cultos praticados antigamente nas cavernas tomavam força entre as imensas rochas, com muito mais energia simbólica e maior capacidade de proporcionar os efeitos esperados pelas meditações profundas.Toda estrutura seria dedicada a uma espécie de culto aos antepassados? Provavelmente sim, dizem os especialistas, apesar de não terem sido achados túmulos ou covas no interior do sítio. Existem estátuas em pedra representando figuras humanas, mas não deuses. Como tais alegorias têm braços e pernas, mas não cabeças, devem representar trabalhadores.A idéia de culto ao mundo transcendental dos espíritos se justifica considerando a própria história da religiosidade. É sabido que os serviços articulados dedicados exclusivamente às divindades tiveram início entre os Sumérios, milênios depois, em meio a grandes palácios na Mesopotâmia.

4-A AGRICULTURA E A GÊNESE DA CIVILIZAÇÃO Quando Göbekli Tepe foi construído ainda não havia ocorrido a chamada Revolução Neolítica, que trouxe o domínio das técnicas agrícolas e de domesticação de animais, datada de 10.000 anos atrás.Este fenômeno agrícola é considerado o marco inicial do desenvolvimento humano, pois a partir dele o homem passou a se fixar nos sítios produtivos e assim pôde estruturar as primeiras comunidades organizadas.Então, surge a pergunta mais enigmática: como os homens se organizaram, há 12.000 anos ou mais, com o objetivo de erigir um complexo santuário? Por isso este achado arqueológico se reveste de tanta relevância - simplesmente trouxe um dos mais extraordinários paradoxos histórico-arqueológicos à luz da ciência. Antes a Arqueologia supunha que as comunidades errantes, semi-nômades e sempre a beira da extinção, que eram a forma celular de organização social da época, não seriam capazes de unir forças e valores capazes de erigir estruturas arquitetônicas de grande porte. Este conceito de fragilidade dos grupos de caçadores-coletores teve que ser revisto. Na realidade, tinham um grande potencial de estruturação hierárquica e social, que possibilitava a canalização de recursos para obras monumentais.Se não bastasse este novo paradigma revolucionário, o mais impressionante ainda estava para ser descoberto. O local exato da explosão criativa do Neolítico, o lócus onde um visionário semeou o primeiro grão, era exatamente o sítio de Göbleki Tepe. Exames de DNA em diversas amostras de trigo atualmente em uso no mundo trouxeram uma informação espantosa. A variante selvagem de trigo existente próxima ao templo, que brota na montanha de Karaca Dag (distante 32 km) deu origem a praticamente todas as formas de trigo comerciais consumidas pela humanidade. Portanto, foi ali que os primeiros plantadores semearam a terra, inaugurando a fase da agricultura.Sobre a domesticação de animais, acredita-se que os primeiro porcos selvagens criados especificamente para abate também surgiram nos arredores de Göbekli Tepe.Analisando todos estes dados, fica claro que só após surgirem os templos – e mais especificamente este no sul da Turquia - foi possível ao homem dar o grande salto evolucionário que geraria toda a arquitetura social moderna. Os primeiros rituais estilizados, a eclosão do pensamento simbólico e a estruturação das idéias elementares sobre transcendência foram, simplesmente, os elementos desencadeadores deste fenômeno criativo global.

5-CONCLUSÃO Com seus trabalhos ritualísticos a plena força e vigor, o templo de Göbekli Tepe alterou definitivamente a hedonística paisagem e o estilo de vida dos seres humanos. A passagem do estágio da caça-e-coleta, para a fase do trabalho pesado na terra, foi um episódio tão significativo em nossa história que deu origem a uma vasta mitologia – como o mito da “queda”, ou da expulsão do paraíso - que se apresenta em várias culturas antigas. O homem abandonou a fase da inocência e da servidão à natureza, por sua livre vontade, e com espírito indômito se aventurou em busca do verdadeiro saber e do domínio de sua realidade. A ingestão do fruto proibido da “árvore do conhecimento” pode ser a metáfora da criação do templo primordial.Por isso os mistérios das antigas tradições despertam uma imensa atração aos iniciados. Este sentimento, que nos motiva a persistir na manutenção justa e perfeita dos ensinamentos dos magos ancestrais que atravessaram gerações, foi o mesmo que levou os primeiros pensadores a erigirem seu templo primaz e, assim, possibilitar em seguida a criação de tudo que temos a nossa volta - a chamada sociedade humana.Estas maravilhosas descobertas nos remetem a um patamar superior na infinita escada rumo ao pleno conhecimento. Nesta nova perspectiva vislumbramos a certeza de que, no futuro, os templos continuarão a ter a mesma importância e valor que já demonstraram no passado, contribuindo eternamente para a evolução da humanidade.

6-Referências:
6.1-Akkermans, Peter “The Archeology of Syria: from complex hunter-gattereds to early urban societies (16000-300 BC)”, Editora Cambridge University Press, 2004;
6.2-Barker, Graene “The agricultural revolution in prehistory: why did foragers become farmers ”, Editora Wiley-Blackwell, 2004;
6.3-Corio, David “Megaliths”,Editora Random House UK, 2003;
6.4-Pires, Carlos A C, “Origens – Em Busca do Primeiro Maçom” Revista Maçônica “A Verdade”, Editada pela Glesp, Edição 461, Julho Agosto 2007;
6.5-Spivey, Nigel “How art made the world”, Editora Basic Books, 2006.
6.6-Wenke, Robert J “Patterns in Prehistory: humankind´s first three million years”, Editora Oxford University Press, 2006. por CARLOS ALBERTO CARVALHO PIRES

Os Mistérios Ancestrais de StoneHenge

Os Mistérios Ancestrais de StoneHenge

por CARLOS ALBERTO CARVALHO PIRES

Stonehenge, o famoso círculo de pedras localizado a sudoeste da Inglaterra, foi erigido por um povo há muito esquecido, que não deixou vestígios escritos ou registros formais. Ninguém sabe como tal obra era chamada pelos construtores originais, nem mesmo como se nomeava esta comunidade.Não existe nada igual em parte alguma. Foi construído antes do surgimento de qualquer cidade, do desenvolvimento da escrita, e muito antes de qualquer estado ou rei ter se estabelecido. Quem teria projetado tal estrutura, como e por que são algumas das perguntas que fascinam a todos. Representa um lampejo de uma era que se foi.Testemunha concreta de um passado místico, repleto de mistérios, Stonehenge foi palco de cerimônias complexas e ritos mitológicos elaborados. Integrando diversos elementos conceituais no mesmo projeto, os mestres-construtores demonstraram possuir pleno domínio nas ciências da Arquitetura, Geometria e Astronomia, muito antes da eclosão das culturas egípcias e mesopotâmicas. Alguns conceitos matemáticos como o valor de Pi, que seria estabelecido 2.500 anos mais tarde por Pitágoras, foram utilizados no projeto original. Também incorporaram, com ajuda dos sacerdotes, valores simbólicos que formariam a base de vários sistemas religiosos e doutrinários.Recentes estudos arqueológicos começam a esclarecer o que passava pelas mentes dos antigos habitantes da região ao construírem tão imponente obra, uma das mais significativas manifestações da capacidade humana de expressar idéias através de edificações.O que surge deste conjunto de descobertas começa a intrigar os espíritos dos modernos adeptos das práticas transcendentais. Ao desvendar parte dos enigmáticos segredos de Stonehenge percebemos que adentramos em um universo rico em elementos arquetípicos e mitológicos, criados para desbravar alguns dos mais tortuosos labirintos psíquicos da alma humana.Incrivelmente, grande parte do que tem emergido à superfície nos parece familiar. A antiga doutrina e liturgia desta era parecem reverberar solenemente em vários aspectos das atividades religiosas em geral, em pleno século XXI, estabelecendo uma forma inesperada de conexão mística. Tal fenômeno sugere que o simbolismo de fé contemporâneo e o universo mágico da Grã Bretanha ancestral seriam partes da mesma "ciência", da mesma alquimia misteriosa, que tendo surgido em uma época remota permaneceria viva e operante até os dias atuais.Esta poderosa especulação, que contorce as dimensões de tempo e espaço da tradição histórica dos fundamentos das religiões, representa mais um capítulo a ser desbravado na longa jornada de aprendizado da humanidade.

2- TEMPLOS SIMBÓLICOS
Na aurora do Homem, quando os grandes questionamentos sobre a existência floresceram, o espírito indômito dos primeiros especuladores incentivou a eclosão de uma revolução criativa que marcaria a Humanidade para sempre.Uma nova maneira de encarar o universo, como algo mais do que a mera realidade visível, se cristalizava nas mentes dos poderosos magos do passado. Esta perspectiva inovadora da realidade levou ao surgimento de magníficas obras, na tentativa de elaboração concreta destes dramas que passavam a afligir a alma humana.Surgiam, assim, os primeiros templos, as primeiras catedrais.A palavra “templo” se deriva do latim templum. Refere-se a uma edificação dedicada ao serviço religioso ou transcendental. Rizzardo da Camino define tal conceito de forma similar, como sendo o local onde se cultua uma divindade. Os egípcios os consideravam as “mansões dos deuses” ou os lugares mortuários, quando dedicados aos antepassados.No início eram espaços delimitados em meio às florestas ou cavernas. Neste período os pensadores só tinham a abóbada celeste acima, as doze constelações como colunas de sustentação em volta, a fraternidade no coração, o infinito nas mentes e uma inquietação angustiante clamando pela compreensão plena dos mundos – o visível e o oculto.Na fase seguinte, com a melhoria nas técnicas de Arquitetura, os pedreiros ancestrais começaram a construir as primeiras estruturas dedicadas exclusivamente aos cultos. Surgiram obras complexas, nas quais aquela realidade natural que circundava os templos em meio às matas passava a ser retratada por alegorias, metáforas e por uma série de símbolos que ainda hoje interagem ativamente em nosso subconsciente.Templos, enquanto entidades físicas, e os símbolos, como instrumentos e método para desenvolvimento dos trabalhos, tornaram-se figuras inseparáveis neste processo de aprimoramento pessoal e filosófico a que nos propomos a partir do momento que passamos a integrar uma sociedade esotérica. Esta conjunção se apresenta claramente nas mais antigas fraternidades, como a ordem dos antigos mistérios dos Essênios, das sacerdotisas de Inanna, na Suméria, das Thesmophorias de Deméter, em Atenas, das Vestais de Roma, e até na enigmática ordem de Malek-Tsedeq ou Melquisedec. Onde encontramos sinais da existência de um destes elementos, certamente o outro estará em Pé e a Ordem, apesar de, às vezes, não percebermos sua presença imediatamente.Estas estruturas arquitetônicas, dedicadas aos grandes mistérios, possibilitam uma identificação pessoal dos iniciados com todo simbolismo ali existente, estabelecendo uma simbiose que transforma as metáforas em reflexos de nossa própria persona enquanto seres que questionam a si mesmos e toda existência. As figuras simbólicas operando in templum são ferramentas psíquicas poderosas que nos orientam em nosso longo aprendizado - a chamada jornada em busca do autoconhecimento. Só sabendo exatamente quem somos podemos ter a esperança de adentrar sutilmente no mundo do oculto, tateando os significados dos grandes mistérios – como a sabedoria das religiões primordiais, os segredos do mundo perdido, a compreensão da primeira trindade, a busca pela palavra perdida, o enigma das grandes diferenciações e assim por diante. Os Templos com seus signos representam nossa psique, os quatro planos do universo retratando o princípio, o meio e o fim de tudo.

3- STONEHENGE, A OBRA
Stonehenge, do inglês arcaico stan = rochas, e hencg = eixo, se localiza na planície de Salisbury, no sudoeste da Inglaterra, próximo à cidade de Amesbury. A mais antiga referência a esta maravilha do mundo antigo foi feita por Hecateu de Abdera, em sua magnífica obra “História dos Hiperbóreos”, datada de 350 a.C. Trata-se de um conjunto de pedras, algumas com mais de 45 toneladas, agrupadas em um arranjo circular parcialmente conservado. Integra um conjunto de obras erigidas pelas chamadas civilizações megalíticas, surgidas na Europa a partir de 8.000 anos a.C. Estas comunidades embrionárias, que conquistaram a Europa no final da última glaciação, começaram a se fixar nas Ilhas Britânicas à medida que o gelo e frio recuavam, criando um clima mais ameno, propício às culturas agrícolas.Por volta de 4.300 a.C. grandes levas de agricultores chegando do continente passaram a se estabelecer na região. Tinham certa facilidade para se fixar, pois dominavam técnicas de cultivo de trigo e de criação de gado, e utilizavam instrumentos de pedras, ossos e cerâmica. Logo depois, no período Neolítico superior, imigrantes da atual França conquistaram a Planície, e em 2.500 a.C. comunidades vindas do Vale do Reno e da Holanda chegaram. Estas últimas, também chamadas de Povo Beaker, tornaram-se hegemônicas na área até 1.800 a.C. , quando foram sobrepujados por uma nova cultura, denominada Wessex – que dominaria a maior parte da região.Nesta época floresceram vários cultos místicos, no contexto da citada eclosão criativa. No final do 4o século a C. os antigos sacerdotes, motivados por idéias e conceitos originais, começaram a construção de um grande arranjo em forma circular, com quase cem metros de diâmetro. Era o início da epopéia de Stonehenge, cujo processo de elaboração foi dividido, pelos arqueólogos modernos, em três fases ou momentos distintos.A chamada 1ª FASE ( 3.100 a.C.) é marcada pela construção da estrutura circular primordial. Constituída por um grande morro redondo, com 97,54 m de diâmetro, era circundada externamente por uma vala. Apresentando algumas descontinuidades e uma “entrada” principal, logo foi preenchida por um arranjo circular com 56 troncos fixados no solo, chamado de “Círculo de Aubrey”, em homenagem ao seu descobridor. Esta fase, só com o morro redondo e os troncos, durou apenas 50 anos.Em seguida entramos na 2ª FASE (3.000 a.C.). Nesta etapa observamos, inicialmente, a colocação de 168 troncos fixados no solo, dispersos pelo interior do círculo. Formavam a sustentação de uma cobertura, com uma abertura no centro, por onde as pessoas podiam observar o céu e que servia de saída para a fumaça das fogueiras. Foram realizadas descobertas extremamente interessantes na vala circular, incluindo a identificação de restos humanos cremados e objetos sagrados, localizados em pontos estratégicos. Neste período foram criados outros círculos ritualísticos muito semelhantes a Stonehenge, como o chamado Woodhenge, construído ao norte. Na última ou 3ª FASE (2.600 a.C.), registra-se a remoção dos troncos e a chegada das chamadas Pedras Azuis, trazidas das Montanhas Preseli (País de Gales), localizadas a 160 km em linha reta. Os arquitetos elaboraram dois semicírculos com estas enormes rochas, em forma de ferradura, um no interior do outro, com a abertura em frente à entrada original do círculo. Cerca de 80 peças compunham este arranjo. Um caminho, espécie de “avenida”, formado por uma reta ladeada por duas valas paralelas, com cerca de 14 metros de largura, foi confeccionado à entrada principal do círculo. Seu posicionamento toma o ciclo solar como referencial, sendo exatamente alinhado com os raios solares no poente do solstício de inverno, ou com o nascer do Sol no solstício de Verão. Este caminho levava diretamente às margens do Rio Avon, o principal curso de água da regiãoTodo este espaço místico foi utilizado até o final do segundo milênio a.C. Por volta de 1.100 a.C.o santuário foi abandonado. Não há consenso sobre os motivos deste fato. Provavelmente, os cultos passaram a ser direcionados aos rios e pântanos, e a poderosa catedral que operava em Pé e a Ordem há quase 2.000 anos se reduziu a um estado dormente, assim permanecendo por muitos séculos.Em 1.918 alguns festivais e eventos esdrúxulos coordenados por sacerdotes ou “druidas contemporâneos” começaram a atuar nas ruínas, realizando cerimônias em que tentavam resgatar alguns conceitos do passado remoto. Em 1.985 o English Heritage, órgão do governo inglês responsável pelo monumento, proibiu tais celebrações.

4- UNIVERSO SIMBÓLICO
Várias teorias foram lançadas na tentativa de desvendar os objetivos que levaram à construção de tão imponente obra. A utilização do sítio variava conforme a época, uma vez que diferentes culturas dominaram a região, cada qual com costumes e tradições distintas.

4.1-REPRODUZINDO O UNIVERSO
Analisando detalhadamente o projeto, na primeira fase, percebemos que toda estrutura, principalmente o morro circular com as “falhas” ou descontinuidades poderiam ser detalhes precisos de uma grande reprodução em escala, de alguma região geográfica. Esta idéia de Stonehenge ser um mapa cartográfico estilizado foi recentemente comprovada. Ao compararmos o arranjo com a conformação ambiental da Planície de Salisbury, ao redor, vemos que a real intenção dos arquitetos foi reproduzir a plenitude de seu mundo visível. Os 56 troncos representariam as florestas, o morro elevado personificaria as montanhas ao longe, e a vala seria o final do mundo, o horizonte amedrontador, o abismo do limite da perspectiva que poderia “engolir” os aventureiros. No interior da estrutura teríamos enclausurados os parâmetros da existência humana, com o céu formando o “teto”, estando presentes o Sol, a Lua e as constelações do zodíaco. O Rio Avon, que dava sustento a todas as comunidades da região, também se mostra retratado no círculo. Seu curso sinuoso coincide exatamente com a existência das entradas ou “falhas” no morro. Estabelecendo esta conexão, que é cientificamente comprovada e facilmente observável, percebemos quantos enigmas se apresentam apenas nesta primeira fase, que é considerada a mais “primitiva” do processo de aprimoramento místico da comunidade.

4.2-CÍRCULOS
Continuando na primeira fase, notamos que os místicos primordiais manifestavam uma grande fixação pelas formas circulares. Os círculos são expressões matemáticas utilizadas desde o princípio dos tempos. Esta perfeita forma geométrica estabelece diversas conexões arquetípicas na mente humana, sendo elemento propulsor da vida em movimento. Representa a essência dos mistérios da natureza. Faz o tempo se retorcer em si mesmo, orientando todos pelos caminhos contínuos do reinício e fim constantes, tornam os pontos de partida e de chegada coincidentes neste processo único de ser e existir, livre das mitologias seminais cosmogônicas e escatológicas.Os mais antigos povos, de todas as culturas e locais do planeta dançavam ritualisticamente em círculos, meditavam diante de formas circulares, reverenciavam corpos celestes, percorriam labirintos e se sentavam em rodas elípticas para orar. Os Celtas consideravam o tempo como sendo uma das triplas linhas da existência, e o representavam como um círculo no qual todos os enigmas se revelavam. Os Astecas veneravam as flores com forma circular, pois personificariam a alegria e felicidade, além do ciclo solar diário e anual, com suas jornadas eternas de nascimento e renovação. Os índios americanos da tribo Sioux afirmam que toda fonte de poder do mundo se manifesta em círculos, como o céu, as estrelas, o vento em forma de furacões, os ninhos dos pássaros e a própria vida dos homens, da infância à morte.Nossa vida e ambiente são repletos de símbolos circulares ou espiralados. A íris dos olhos, a forma dos rostos, o horizonte distante, a Lua e o Sol se apresentam nesta forma – além das galáxias distantes e das moléculas de DNA, síntese da vida. O próprio universo físico, com as constelações, buracos negros e demais entes astronômicos, tem conformação circular. Forma uma imensa “bolha” que deve interagir, de acordo com a física quântica, com infinitos universos paralelos que também são arredondados.Em nosso mais profundo íntimo também vamos encontrar esta geometria. Jung (1875-1961) dizia que o ponto mais central de nossa alma, o self, é um círculo. Por isso, ele o representou com mandalas, que são figuras com várias formas geométricas em torno do mesmo centro.Para a teoria do eterno retorno (Nietzsche, 1844-1900), segundo a qual tudo ocorre infinitamente, ao longo do tempo, como uma perene repetição de todos os eventos, o círculo também se recobre de profundo simbolismo. Não há outra figura que melhor represente este ciclo infinito de experiências contínuas, que devem ser moralmente justificáveis e “nobres” para que se perpetuem por todo o sempre.O círculo, tal quais as formas essenciais da natureza, assume uma aura sagrada e misteriosa. Tem infinitos lados e nenhum ao mesmo tempo. Neles se encontram o princípio e o fim na mesma estrutura, fazendo referência à semente ou embrião original e ao final escatológico, sem definir onde exatamente se posicionam. Centraliza, portanto, as mais primitivas leis da natureza, os mais profundos sentimentos de continuidade e a terrível inevitabilidade do “pêndulo do relógio”.A forma circular de Stonehenge, por si só, já representa uma profunda e complexa comunhão dos universos simbólicos que fundamentam a cultura esotérica do passado e a atual. Esta característica está presente na arquitetura de diversas obras utilizadas por ordens religiosas e iniciáticas, como as catedrais dos Cavaleiros Templários.

4.3-GIROS RITUALÍSTICOS
Os antigos sábios consideravam que movimento é sinônimo de vida. Os mortos apresentam, como primeira e óbvia característica, a imobilidade corporal. Os enfermos tendem a se recolher em repouso absoluto. A água, um dos quatro elementos, para ser de boa qualidade deve ficar em constante movimento. Se permanecer estagnada torna-se inadequada ao uso. O oposto da paralisia mórbida e funesta é o movimento. Deste raciocínio surgem todos os cultos e festejos à vida, à ressurreição e à renovação da natureza, carregados de danças, músicas e alta dinâmica de movimentação. Em Stonehenge as celebrações eram realizadas com grande volume de pessoas se movimentando ritualisticamente em torno do eixo principal, que era o centro do culto, e provavelmente circulavam no sentido horário.Certamente os participantes assumiam grande rigor na ordenação dos trabalhos, em relação ao sentido de giro em volta do altar. Sabemos que quando giramos no sentido horário, desejamos absorver a energia do universo, trazendo do macrocosmo todas as emanações e influxos positivos. Caminhando no sentido anti-horário, levamos nossas energias ao universo externo, tirando do microcosmo local e elevando as vibrações ao infinito. No primeiro caso buscamos, metaforicamente, salvação a nós mesmos, e no segundo oferecemos salvação aos outros.Esta é uma característica presente ainda hoje nas práticas ritualísticas de muitos cultos, notadamente em relação à circunvolução praticada pelos condutores dos trabalhos. A mesma liturgia e os significados sacramentados nos cultos ancestrais da velha Inglaterra ainda se mostram presentes nos movimentos regulares dos obreiros de fé atuais.

4.4- MITOS DE RESSURREIÇÃO
As celebrações em Stonehenge ocorriam em datas específicas do calendário. A razão para estas reuniões, nestes momentos determinados, se explica pela própria arquitetura do monumento. O perfeito alinhamento da entrada do morro circular e da “avenida” com os raios solares no poente do solstício de inverno e na alvorada do solstício de verão, e com a descida da Lua na posição mais meridional, a Sul Sudoeste, comprova que ali ocorriam cultos devotados aos ciclos lunares e solares.Na noite do solstício de inverno (21 de dezembro) é celebrada a “morte” do Sol, e o início – na manhã seguinte – da longa jornada rumo ao seu apogeu, que ocorre no equinócio da primavera. O ciclo solar, tal como uma criança recém nascida sob a égide da constelação de Virgo ou Virgem, se inicia neste dia, trazendo as boas novas a todos - que seriam as perspectivas de renovação da natureza e de toda vida, através das dádivas dos raios solares incidindo gloriosamente sobre a mãe-terra. A longa noite de espera pelo renascimento do astro-rei, por aquele que traz a vida, o sustento e toda renovação da natureza ao longo das estações, era marcada por celebrações intensas, carregadas de grande significado esotérico e transcendental.A Lua também teria um papel interessante neste universo metafórico. Foram detectados restos de animais, cerâmicas e objetos diversos na vala, no ponto exato, a Sul-Sudoeste onde ela desaparece no horizonte na última noite da fase Cheia. Uma intrigante teoria sugere que nesta noite, ao visualizarem a Lua descendo no horizonte, os magos posicionavam os corpos dos mortos sobre a pedra “Altar”. Esta rocha, com tons claros que refletiam ao luar, criava um amálgama visual entre sua imagem e a da Lua. As almas dos falecidos, em meio a esta fusão mística, seriam carregadas juntamente com a Lua para o mundo da eternidade. Sabemos que tal corpo celeste personifica uma dramática jornada mitológica, “morrendo” ao final de cada ciclo e descendo ao mundo das trevas. Ali permanece oculta por um breve período (três dias) e renasce espetacularmente na terceira noite. Aqueles que “pegam carona” com a Lua, vencem a morte e ressurgem triunfalmente, atingindo uma outra dimensão, uma nova vida em um mundo além deste.Toda essa saga representa o eterno retorno e o milagre da ressurreição. Tal arquétipo foi exaustivamente incorporado por muitos sistemas religiosos posteriores, como, por exemplo, no culto ao deus-menino persa Mitra, na epopéia de Hércules, na saga descrita no Mahabharata daquele que é considerado a oitava encarnação do deus Vishnu, o semi-deus Mitra, e na lenda de Ísis e seu filho divino, Hórus.

4.5- CULTO AOS ANTEPASSADOS?
A religião dos antigos britânicos seria um culto aos antepassados? Esta pergunta foi uma das primeiras a serem formuladas pelos pesquisadores, no início do século XIX. Várias vertentes religioso-filosóficas englobam este componente, e isto também deveria ocorrer nas comunidades ancestrais da Europa. De acordo com esta hipótese, recentemente lançada, toda estrutura de Stonehenge se relacionaria a um complexo ritualístico mais amplo, abrangendo uma extensa área geográfica, voltado ao culto dos mortos, a sua passagem para outra dimensão e seu posterior renascimento. O círculo de pedras seria parte de um elaborado rito com vários capítulos, que se iniciaria a exatos 3,2 quilômetros dali, em Woodhenge – o outro círculo místico, feito em madeira. De sua única entrada sai um caminho ou curso ladeado por monólitos – similar ao de Stonehenge – que leva às margens do rio Avon. Esta “trilha” está precisamente alinhada com os primeiros raios de Sol no solstício de inverno, ao contrário de Stonehenge que se alinha com poente.Os arqueólogos estabeleceram uma intrigante relação entre estes dois círculos. Faziam parte de um elaborado culto que atravessaria a noite e o dia inteiro, da alvorada ao poente. Pessoas de toda região se dirigiriam inicialmente a Woodhenge, no final da noite anterior aos solstícios de inverno, permanecendo ali até a alvorada do dia seguinte. As edificações em madeira representam a vida, a mortalidade, a finitude, ou seja, o portal dos vivos. As celebrações ali desenvolvidas transcorriam com imenso consumo de comida e bebida. A grande quantidade de dentes de porcos achados no local, todos com nove meses de idade, comprova a idéia de que os eventos eram realizados exatamente nos solstícios de inverno. Marcando o início da fase seguinte do ritual, teríamos o nascer do Sol, com os primeiros raios incidindo exatamente pela entrada do grande anel e na avenida, diretamente sobre o altar de Woodhenge. As pessoas, então, seguiriam rumo às margens do rio Avon, caminhando pela avenida ou caminho, com o Sol orientando a marcha. Ali teriam contato com o elemento água, tal qual um batismo ou uma purificação aos vivos e mortos. O cortejo, em procissão, percorreria o curso do rio, até a altura de Stonehenge. Então, seguiriam a outra “trilha”, ladeada por megálitos, seguindo até o conjunto de pedras. Como já se finda o dia, o Sol agora se alinhava exatamente neste caminho. Chegando a Stonehenge, havia a coroação da celebração, começando no poente e transcorrendo por toda noite. Stonehenge simbolizaria o portal dos mortos - a imortalidade e perenidade das rochas, frias, imutáveis, resistentes, representam a eternidade. A entrada das almas nos reinos subterrâneos e seu posterior renascimento glorioso, juntamente com o novo ciclo solar pós-solstício, estaria garantida através deste rito.

5- CONCLUSÃO
Como legítimos inquisidores da Verdade devemos atentar para a importância histórica de Stonehenge no processo de construção mística de todo simbolismo relacionado às práticas religiosas atuais. A maior parte da obra se desfez nas intempéries dos tempos. Entretanto, a essência dos cultos primordiais que ali se desenvolviam se manteve incólume à passagem das eras.Os povos surgiam e pereciam, mas os mitos fundamentais, as lendas magnas e todo simbolismo desta era mística se cristalizaram de forma alquímica e inexorável nas almas daqueles que voltavam suas mentes para além do mundo visível.Seus inúmeros significados, recentemente compreendidos, trazem conclusões inesperadas e intrigantes. Os magos-arquitetos das eras ancestrais, que projetaram tal monumento, determinaram ali as bases seminais do simbolismo que fundamenta grande parte dos princípios das doutrinas e ritos atuais.Erigido muito antes das primeiras iniciações no vale do Nilo e das celebrações a Elêusis, Orfeu e Dionísio, e mais de 2.000 anos antes do surgimento do lendário rei Salomão, o enigmático círculo de rochas pode ser considerado um legítimo espaço dedicado ao Sagrado, que operava a plena força e vigor de acordo com a ritualística primordial – que, basicamente, continua a mesma. Ao buscarmos a compreensão dos mistérios de Stonehenge, estamos, na realidade, trilhando mais alguns degraus em busca de nossa própria identidade.

7-REFERÊNCIAS:
7.1- Meaden, Terence “Stonehenge: the Secret of the Solstice”, 1ª Edição, Editora Souvenir, 1.999
7.2- Niel, Ferdinand “Stonehenge: Arqueologia do Templo Secreto” 1ª Edição, Editora Hemus, 2.004.
7.3- North, John D “Stonehenge: A New Interpretation of Prehistoric Man and the Cosmos”, 2ª Edição, Editora Free Press, 1.999
7.4- Souden, David “ Stonehenge Revealed” 3ª Edição, Editora Facts on File, 1.998 autor: Carlos Alberto Carvalho Pires